quinta-feira, 28 de julho de 2016

Silly Season.


Sendo esta, por natureza, a época do ano em que há mais emoções e momentos para evocar, concentrados que estão na zona escarpada das recordações, ali onde o fole da memoria se enche com mais frequência e menos vazios há a registar, não era preciso uma brasa destas. Só complica.

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Lobos solitários.

É estranho como as catástrofes podem levar-nos a procurar conforto em coisas pequenas e comuns como podar a sebe do jardim, jogar à bola no relvado com o cão, ler um livro velho, andar a pé (que noite magnifica!), conversar ao telefone com um amigo sobre coisa nenhuma. No fundo são, provavelmente, as coisas pequenas e não as grandes como as rupturas sísmicas da nossa própria história pessoal ou as epifanias que nos mudam a vida, que nos mantém à tona. Sempre foi um acto delicado de equilíbrio o de lidar ao jantar com os cataclismos do dia. Temos, por um lado, os atentados, a morte, o medo, os desastres das guerras civis que grassam nos extremos do mundo, os assassinatos, já sem falar no catálogo de desgraças menores como os manifestos para reestruturação da divida publica e as bancarrotas pessoais ou colectivas, enquanto, por outro lado, há a irritação do café a pingar no sofá e do açúcar a entornar-se para cima do tapete da sala, transformando o terrorismo em novelas palpitantes e o açúcar entornado num drama absorvente, esperando assim que o mundo nos possa parecer menos fora dos eixos. Mas não está fácil. Isto está feio. Muito feio.

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Deixem o Éder ir de férias descansado.

Discordo em absoluto desta imortalidade que se quer, à força, dar às coisas e às pessoas em todas as suas formas. O fim é requisito de qualquer existência. Da nossa existência, que é fugaz por definição e por necessidade. As coisas que realmente valem a pena terminam. A sua finitude é condição fundamental da sua importância e... da sua beleza.

quarta-feira, 13 de julho de 2016

Áurea

©René Maltête

Faz algum tempo que aqueles encontros fugazes não satisfazem nenhum dos dois. Em cima, o outro, pairando.

terça-feira, 12 de julho de 2016

Enquanto dormias.

A luz traçava linhas descontínuas no teu corpo. As minhas mãos, acariciando-te, desenhavam palavras que possivelmente nunca te direi.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Je suis Portugal.

Estive por lá em dois jogos e bem vi, bem o senti de perto. Aquilo é a mesma virgem, a mesma fé, a mesma música, o mesmo calão, as mesmas alegrias, as mesmas tristezas. Quase a terra. Bem se sabe que cada país tem uma razão de ser -- a França tem uma fortíssima razão de ser --, há-os amáveis e caseiros, frios e calculistas, divertidos e irresponsáveis. Em todos eles se vendem planos de protecção para enfrentar as catástrofes da vida ou da própria natureza, mas nunca protecções contra a nostalgia que se instala em homens, mulheres e crianças aos quais, mesmo depois disto, restará o consolo de reinventar a pátria, noite após noite, num misero prato de bacalhau comida. Ninguém mais do que eles merece esta alegria incomensurável.

sábado, 9 de julho de 2016

Movimento "Queremos ouvir os bloggers a declamar poesia".

Respondendo com atraso, como de resto é apanágio cá da casa, ao magnífico movimento criado por Dom Pipoco Mais Salgado.


A tua vida é a tua vida
Não a deixes ser dividida em submissão fria.
Está atento
Há outros caminhos,
Há uma luz algures.
Pode não ser muita luz mas
vence a escuridão.
Está atento.
Os deuses oferecer-te-ão hipóteses.
Conhece-as.
Agarra-as.
Não podes vencer a morte mas
podes vencer a morte em vida, às vezes.
E quanto mais aprendes a fazê-lo,
mais luz haverá.
A tua vida é a tua vida.
Memoriza-o enquanto a tens.
És magnífico.
Os deuses esperam por se deliciarem
em ti.

__ Charles Bukowski - The Laughing Heart

terça-feira, 5 de julho de 2016

Pó na estante.

Devo ter lido demasiado cedo alguns dos "monstros" russos, como o meu pai - o mentor da empreitada - lhes chamava. Talvez naquela altura, tendo como base uma quase inexistente experiência em qualquer dos sectores da vida, não tenham exercido sobre mim o fascínio real que aquela riqueza de vocabulário utilizada a cada variação do desejo, da paixão, da frustração, da raiva, da mágoa ou da alegria é capaz de provocar. Cada carta, cada bilhete são exemplares obras de arte. Cada conversa um reflexo puro das consciências. Um jogo fascinante e subtil com a ordem e a desordem das palavras utilizadas. Os ritmos, os prefixos e os sufixos que vão transformando e sustentando sentimentos simples em grandiosidades imensuráveis. A mestria e a minúcia da linguagem que parece, em cada andamento, retirar-nos qualquer suspeita de que na realidade não fosse assim que duas pessoas reais falassem e escrevessem uma à outra. Pobre gente. Pobre de mim. Tanto pó na estante!



(embalado por um post da Uva Passa que, além de muito propositado, teve o condão de me deixar bastante descansado. Pois em matéria de leitura sempre achei que era um atrasado, um fora de tempo, um perdido dos tempos modernos, um abandonado ao fascínio real da velha literatura, da qual, tenho de confessar, não me consigo desprender e aos quais acabo sempre por voltar porque há sempre uma obra que me falhou no tempo exacto. Quem diz os russos, diz o franceses, os ingleses... pese embora uma ou outra incursão pelas Ferrantes desta vida.)

E vós?

E vós também, nojentos da Política
que explorais eleitos o Patriotismo!
Macrots da Pátria que vos pariu ingénuos
e vos amortalha infames!

E vós também, pindéricos jornalistas
que fazeis cócegas e outras coisas
à opinião pública!

E vós também, ó Gentes de Pensamento,
ó Personalidades, ó Homens!

**Almada Negreiros, Cena de ódio

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Gente

Gosto de gente. Gosto de gente com um sorriso simples na cara. Daqueles sorrisos que escondem coisas profundas. E que dos seus olhos fundos jorra um brilho complexo e penetrante. Gente que olha como se entrasse naquilo que olha. Gente que por baixo dos seus pés, tão somente a uns milímetros de profundidade, tem a borbulhar um inferno de magma em erupção. Deve ser essa consciência inconsciente que os suspende à vida. Deve ser essa vida suspensa que me liga a eles. Gosto de gente de sorriso simples na cara. Gosto de gente que deambula alegre pelos corredores das horas e dos dias perdidos. Gosto de gente que gosta de estar sentada na beira de um rio. Gosto da etérea voz de Lady Day ao fundo.

domingo, 3 de julho de 2016

Sábado à noite.

Homens e mulheres saem ao sábado à noite. Elas põem rímel nas pestanas, bâton nos lábios, base na cara, eles vestem pólos, calças de sarja, sapatos sem meias. Enviam beijos uns aos outros por cimas das entradas de ameijoas fumegantes. Exibem-se, beijam-se na boca em público, devoram escalopes de porco com molho de cogumelos e batatas fritas como glutões. Lançam olhares uns ao outros por cima das mesas para constatar que são belos, que são belas, mergulhando ainda mais fundo nos seus eus. Alguns misturam vinho com gin até perderem o juízo.