quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Quarta-feira de cinzas

É provável que todos venhamos a odiar aquilo em que nos transformamos. Ninguém é o único. Já vimos mulheres olharem para si mesmas em espelhos de restaurantes, quando os seus consortes não estavam presentes, mulheres sob o seus próprios feitiços, enquanto observavam alguém que não reconheciam. Já vimos homens retornados de outras vidas olharem furtivamente para si próprios em vitrinas de lojas, enquanto tacteavam o crânio sob a pele. Uns e outros pensaram que se livrariam do pior da juventude e que conquistariam o melhor da idade, mas o tempo acumulou-se neles, enterrando as suas esperanças antigas sob a areia. A vida relembrada na medula e não na mente. A tua e a minha história podem até ser muito diferentes, mas acabam por ir dar ao mesmo. 

26 comentários:

  1. Aproveitei e tirei as cinzas todas da lareira.
    Bom dia Impontual :)

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  2. Já estou como "o outro": A juventude é uma coisa maravilhosa. Que pena desperdiçá-la em jovens.

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  3. Hummm Gostei:))

    Hoje:- Pétalas em paixão silenciosa.
    .
    Bjos
    "Feliz dia dos namorados"
    Votos de uma boa Quarta-Feira.

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  4. "A tua e a minha história podem até ser muito diferentes, mas acabam por ir dar ao mesmo."

    Uma frase que encerra nela, todo o drama emocional da Humanidade. Grande e triste verdade, Impontual.

    Fique bem.

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    1. Obrigado, Janita. Um bom dia para si também.

      Mas... longe de mim traçar paradigmas emocionais da humanidade. Longe de mim.

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  5. Tão verdadeira a tua última frase como os cursos dos rios irem desaguar ao mar. No fim todos sem excecção seremos "cinza".
    Agora do nascer ao morrer há quem deixe a vida passar dentro, e há quem deixe a vida passar ao lado.
    Votos de um bom dia, sem cinzas de preferência :)
    Abraço

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    1. É verdadeiramente insuficiente viver apenas dentro de duas estações.

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  6. "mas acabam por ir dar ao mesmo", isso quer dizer que não acredita no inferno e tão pouco no céu? Ou o purgatório é o único tapete de cinzas que nos é oferecido quando não há mais história para contar? Ou a histórias de vida são tão diferentes umas das outras que, no fim, não há purificação alguma que salve almas? Ou é muito provável que alguns venham a odiar aquilo em que se transformaram por força de nunca se olharem ao espelho na altura em que as transformações se davam?

    (sou uma mente perturbada, e entupida de interrogações, bem sei :))

    Bom dia disso mesmo, senhor Impontual, de cinzas antes de serem cinzas.

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    1. MM, muito me espanta que não tenha questionado sobre a reforma interior, sobre a capacidade de adaptação, sobre a escravidão da identidade, sobre a maquilhagem social que esconde as equimoses das almas (do purgatório). Muito me espanta. :)

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    2. Grande resposta, grande resposta, é o que me apraz escrever :)

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  7. O tempo até pode enterrar esperanças na areia, mas muscula e relativiza, o que, a mim, parece uma grande vantagem.

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    1. Rainha Caliope, é disso que somos justamente culpados: permitirmo-nos acreditar na esperança e que o incumprimento da mesma nos tenha tornado coriáceos.

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  8. Mas não é preciso sentir culpa. Não assim de forma abstracta. (Tenho a culpa em muito má conta). Por outro lado, o híbrido recém-formulado de "coriáceo esperançoso" acabou de cair nas minhas graças. A esperança é sempre um sopro de vida, desde que usada com moderação!

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  9. A questão está no tempo, muito ou pouco, não interessa, e no que fazemos dele...

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    1. No tempo e na intensidade com que o gastamos, ou que ele( o tempo) nos gastará.

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  10. Nunca o caminho percorrido é o mais acertado logo que reavemos a nossa capacidade de autocrítica e nos imaginamos pelo outro que não percorremos. O percurso que não fizemos é sempre melhor, e o melhor que teríamos feito. ;)

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    1. Às vezes fico incrédulo ao ouvir gente dizer que se pudesse voltar atrás faria tudo exactamente na mesma. :)

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  11. O destino comum. É o que temos de mais certo!

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