Deve ter sido o cabelo que primeiro captou a minha atenção - pelos ombros, desgrenhado, dourado-ambar, atraía a luz, capturava a luz, seduzia a luz, acolhia a sombra que se projectava no interior do compartimento à passagem pelas estações intermédias. Sentada na cadeira logo a seguir à janela com as costas direitas, estava uma visão, banhada pelo tom outonal que pairava no exterior, de uma mulher divina, capaz de me fazer abandonar os claustros. Depois, apoiada nos cotovelos sobre a mesa rebatível, a cabeça entre as mãos, vestia um vestido de algodão azul-água, sem mangas. Estava a ler qualquer coisa - algo demasiado extenso e pesado que abria e segurava com dificuldade, a ponto de nas pausas ter de fixar as páginas com a carteira de pele castanha. Buliçosamente, abanava as pernas debaixo da mesa. Não conseguia ver-lhe o rosto, mas o seus membros inferiores estavam destapados, bronzeados e numa proporção tão perfeita com o resto do corpo que até Teciano teria de os alterar, com receio de que quem admirasse a sua obra pudesse não acreditar. Levantou a cabeça, e depois aguardou um instante antes de voltar ao livro - "O Idiota" de Dostoiesvski, verifiquei - numa espécie de competição consigo própria.
Sem reservas, admito, fiquei enfeitiçado: puro desejo adultero. Um chuto numa artéria principal.