quinta-feira, 28 de julho de 2022

Sessão da Meia-Noite


"Faca na água" - Roman Polanski, 1962

sábado, 16 de julho de 2022

Benevides d'Almeida


Na esplanada, enquanto me enxovalha o saco do Expresso, Benevides d`Almeida vai-me dizendo que um homem na casa dos cinquenta anos só usa bermudas quando já abdicou de ter sex appeal. 
Fiodor rosnou debaixo da mesa.

sexta-feira, 15 de julho de 2022

Palomar


O Senhor Impontual, nas suas múltiplas peregrinações, foi aprendendo a reconhecer os ecos dos amores e dos desejos maiores. Aprendeu que os grandes amores, em especial se não tiverem perecido de morte natural, nunca morrem completamente e deixam reverberações. Uma vez interrompidos, quebrados artificialmente ou acidentalmente sufocados, eles continuam a existir em fragmentos distintos e infinitos ecos menores.
Uma vaga semelhança física, uma boca quase igual, uma voz levemente parecida, alguma partícula do carácter, de repente, imigra para outra pessoa que se reconhece imediatamente na multidão ou numa festa, pela ressonância erótica que isso desperta.
Os ecos impressionam primeiro através da misteriosa instrumentalização dos sentidos que retêm as sensações tal como os instrumentos retêm um som depois de tocados. O corpo permanece vulnerável a certas repetições muito tempo depois do espirito julgar que procedera a um rompimento claro e final.

Por estes dias de mar ao fundo, o espirito do Senhor Impontual teima em acolher a ideia de que o amor pode perfeitamente ser como as ondas: cada recuo é um novo ponto de partida.
O amor! Que invenção cansativa!

quarta-feira, 13 de julho de 2022

Insónias em carvão


Sendo esta, por natureza, a época do ano em que há mais emoções e momentos para evocar, concentrados que estão na zona escarpada das recordações, ali onde o fole da memoria se enche com mais frequência e menos vazios há a registar, não era preciso uma brasa destas. Só complica.

terça-feira, 5 de julho de 2022

Hendrick´s Neptunia

A cada inspiração, os seus mamilos pressionavam o fino tecido de algodão da camisa de dormir. Os seu lábios sorridentes brilhavam sobre o feixe de luz do candeeiro na mesa de cabeceira. Não havia dúvida. O meu coração ribombava como se estivesse preso numa armadilha. A minha coragem, porém, não conseguiu ir além do gesto de passar os dedos pelos meus próprio lábios. Secos. Foi então que ela abriu os olhos e o seu olhar caiu pesadamente na minha boca. O seu corpo, contrariamente ao meu, não parecia ocultar-se atrás dos pensamentos. Levantou-se e beijou-me os lábios. O gin tê-la-ia posto num estado onírico? Até aí ignorara que o horror e o deleite pudessem ser tão doces. Inclinou-se para trás e apagou a luz. Senti os braços dela puxarem-me para o seu peito e, depois, a respiração quente do seu suspiro queimou-me a testa. Por um instante imaginei outra coisa: não havia fogo algum, a casa não estava a arder. Pensei em correr para a janela para deixar entrar o ar marinho e lavar os meus pulmões. Porém quedei-me indolente e solicito nos seus braços até que o momento passasse e o sono se apoderasse de mim.

Quando voltei à realidade, descobri que a noite nos envolveu ainda mais, pousara a coxa dela, nua, em volta da minha cintura e colocara a minha coxa entre as suas pernas. Quais ramos de uma árvore, cada galho encontrara o seu caminho naturalmente. Embora a minha vergonha fosse poderosa, manteve-se afastada de mim. Aproximei-me e ela acompanhou-me no movimento. Deve ter sido uma noite nublada porque a luz amarela vinda do lado do mar fazia ricochete no céu e entrava pelo quarto dentro. Vi-lhe os olhos pestanejar na fraca luz sépia.