quarta-feira, 23 de março de 2016

E os dias...

®Andrés Kertész

...atravessam as noites até aos outros dias, as noites
caem dentro dos dias - e eu estudo
astros desmoronados, mananciais, o segredo.

Herberto Helder, Se perguntarem as artes do mundo

6 comentários:

  1. "Em marte aparece a tua cabeça -
    eu queria dizer. No lugar onde
    desapareceu a janela,(...)
    Onde era a cortina fria,
    de pássaro escutando."

    Herberto Helder, Em marte aparece a tua cabeça -

    Marte é belíssimo; em marte não há horas. :)

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    1. Então eu quero ir para Marte, Teresa.

      ( Faz hoje um ano que Herberto partiu. Se calhar foi para Marte)

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  2. Dias que duram, dias que são curtis, noites longas, umas mais do que outras. Vivamos dentro de ambos :)

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    1. Pois para bem dos dias que as noites continuem a abrir flores em silêncio. :)

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  3. “Não sei como dizer-te que minha voz te procura
    e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
    esplêndida e vasta.
    Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
    se enchem de um brilho precioso
    e estremeces como um pensamento chegado. Quando,
    iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
    pelo pressentir de um tempo distante,
    e na terra crescida os homens entoam a vindima
    — eu não sei como dizer-te que cem ideias,
    dentro de mim, te procuram.

    Quando as folhas da melancolia arrefecem com astros
    ao lado do espaço
    e o coração é uma semente inventada
    em seu escuro fundo e em seu turbilhão de um dia,
    tu arrebatas os caminhos da minha solidão
    como se toda a casa ardesse pousada na noite.
    — E então não sei o que dizer
    junto à taça de pedra do teu tão jovem silêncio.
    Quando as crianças acordam nas luas espantadas
    que às vezes se despenham no meio do tempo
    — não sei como dizer-te que a pureza,
    dentro de mim, te procura.

    Durante a primavera inteira aprendo
    os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
    correr do espaço —
    e penso que vou dizer algo cheio de razão,
    mas quando a sombra cai da curva sôfrega
    dos meus lábios, sinto que me faltam
    um girassol, uma pedra, uma ave — qualquer
    coisa extraordinária.
    Porque não sei como dizer-te sem milagres
    que dentro de mim é o sol, o fruto,
    a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
    o amor,

    que te procuram.”


    Este é um dos meus poemas preferidos de Herberto Helder. Fez-me bem relê-lo. Obrigada por mo trazer à lembrança hoje.

    Um abraço, Impontual

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    1. Miss Smile, não sei dizer-lhe (como Herberto) que a poesia cresce inseguramente na confusão da carne. Mas, cresce.

      Um abraço

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