terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Brandos costumes

A esplêndida sala de jantar de estilo art deco está cheia de gente e ouvem-se sussurros por todo o lado. É espantoso como o mundo pode estar a inclinar-se no seu eixo e as pessoas continuarem ainda a andar direitas, a viver o seu dia-a-dia, a jantar em restaurantes, a fazer os seus planos, a cumprir tradições. Se não fosse o absurdo das máscaras cirúrgicas penduradas ao pescoço dos convivas elegantemente vestidos, podíamos pensar que a pandemia ameaçadora que paira do lado de fora não passava de uma ficção. Um tocador de piano enche a atmosfera de musica requintada e lá fora uns cedros oscilam com suavidade sob a luz colorida dos vitrais de uma das clarabóias por cima das suas cabeças. Na parede, o impávido relógio de caixa alta Boa Reguladora assinala vinte e três horas. Ainda a noite é uma criança. Janeiro não vem já.

1 comentário:

  1. Não sei se isso que descreve estará muito afim neste ano. Parece-me que o pessoal anda mais inspirado pelo número crescente de infectos e pela publicidade do intermarché. Estou a pensar numa data de écrans, pôr os portáteis a falar uns com os outros e será sem contágio mas também sem coisa nenhuma, um número próximo de zero, coisa assim. Memorável.

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