segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Povoléu

Era uma vez um país, numa época em que a maior parte das pessoas acreditavam num qualquer género de universo em três camadas - havia o mundo sobrenatural, o natural e um qualquer lugar onde havia seres humanos. Uma espécie de vácuo nevoento e doloroso onde o Povoléu era a classe dominante. O seu nome do meio era Pobreza e o seu apelido Ignorância. Consequentemente, a sua única possibilidade de felicidade estava na escravidão. Escravizem-nos, se for preciso, gritava silenciosamente o Povoléu, mas dêem-nos de comer.  E assim foi sobrevivendo o Povoléu, matando a fome e passeando-se em ruas mal iluminadas onde ninguém o pudesse escutar - ouvia-se contar o que acontecia aos que erguiam a voz por uma outra liberdade -, mas o Povoléu não ficava muito perturbado com esse género de purga.

É lamentável que hoje o Povoléu ainda misture dois sentimentos tão diversos: o ressentimento, a insatisfação e a névoa que toda a infância convoca. É lamentável, como o é que o erro se tenha perpetuado. O que se passou a seguir, ou seja hoje, não podia ter corrido bem porque estava construído sobre alicerces muito frágeis. Volvidos cinquenta anos, democraticamente, agora mais do que nunca, o Povoléu reduz-se a uma espécie de massa acrítica, destinada unicamente a regular a cotação do petróleo, fazer a vénia e desembolsar todos os prejuízos colaterais.
  
A unanimidade da derrota previamente anunciada confirma-se a cada dia que passa.

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