terça-feira, 9 de novembro de 2021

Renoir

Pareceu-me ser uma jovem atraente que combinara encontrar-se com o amante e chegara cedo. Mal tocara no aperitivo que pedira. Olhava atenta e firmemente para quem passava diante da sua mesa. Olhava em seu redor calmamente, avaliando o que via, mas sem o esforço óbvio de chamar a atenção. Era discreta e contida. Estava à espera. Eu também estava à espera. Cumprimentou-me com cordialidade como se tratasse de um amigo, mas raparei que ficou agitada. A sua voz era mais arrebatadora do que o seu sorriso: tinha bom timbre, era ligeiramente grave e um pouco rouca. Era a voz de uma mulher que se sente feliz por estar viva, que se entrega aos desejos, que é descuidada e modesta e que fará tudo para preservar o fragmento de liberdade que possui. Era a voz de uma mulher que dá, que consome: apelava mais ao diagrama que ao coração. O seu corpo era pesado, terreno. Parecia um Renoir. Mas os sons que lhe saiam da garganta eram como notas cristalinas de um violino.

1 comentário:

  1. Um quadro bem pintado, Sr Impontual, porque também as palavras pinta(ra)m e em muitas dimensões.
    Um dia igualmente bem desenhado.

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