segunda-feira, 13 de junho de 2022

Terra e Mar

Horácio viveu durante dez anos com uma mulher da beira do mar. Branca. Meiga. Delicada. 
No inicio, não conseguia passar sem o seu sal fino, sem o seu pulsar suave. Apertava-se com força em volta dela e os seus seios erguiam-se como ondas gigantes que desciam, subiam, de encontro ao peito dele.
Mas gradualmente, o seu cabelo alinhado, dourado e cheio de luz, tornou-se, de repente, demasiado familiar. O seu gosto tornou-se insipido, o seu corpo vazio e os olhos de Horácio desviaram-se para outra, tão sensual e com formas arredondadas que poderia ter sido esculpida na própria terra. Aquilo que ele queria, ela não lhe podia mais oferecer: uma carne que não cedesse, um abraço cheio de fricção e resistência. Horácio ansiava por mulheres da cor da terra, de pés descalços tão firmemente pousados no chão que o vento lhes percorria os cabelos como se corresse por entre as folhas. Mulheres que tivessem braços parecidos com ramos maciços, mulheres que criassem raízes num determinado lugar, à espera que ele chegasse para acariciar a casca delicada e achocolatada das suas pernas e as ramificações das suas coxas tão flexíveis. Uma vez e outra, foi à procura delas, ansiando pela terra.
Na sua inquietude, Horácio, é um homem bom. Liso. Honesto. Partiu hoje para África com bilhete só de ida. 

1 comentário:

  1. Horácio, fez a sua escolha, assaz legítima. Tomou outro rumo, seguiu os seus instintos. Afinal, só se vive uma vez...

    Bom Dia de Santo António, Senhor Impontual.
    Seja também o senhor, muito feliz.

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