quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Gasganete.

Da vida escolhia sempre o que era palpável, caminhos seguros, corrimões onde se agarrar. Ia sempre direito ao alvo. Trilhava sempre caminhos que passassem longe da ribanceira imaginária de onde alguns - os cabeças-de-vento - se lançavam com a ilusão de aprenderem a voar na vertigem da descida. Preferia sempre ancorar em terra firme. As nuvens não foram feitas para se andar sobre elas. Ria-se dos poetas repentinos, desconfiava dos boémios, dos noctívagos, dos apaixonados. Propunha-se sempre, e que ninguém duvidasse que o conseguisse, a descobrir os truques do mágico: como saiu o coelho da cartola ou a artimanha do ilusionista ao serrar ao meio a voluptuosa assistente. Nunca fraquejava. Só que um dia as picadas do ciume, da mesquinhez e da vingança estrangularam-lhe o gasganete, pagou caro o desprezo pela ficção, viu-se obrigado a fantasiar e não sabia. Só lhe ocorriam cenas de péssima qualidade dramática. Deixou de se bastar a si próprio. Está agarrado ao arbusto no meio do precipício.

10 comentários:

  1. Espero, não desejando muito mal a ninguém, que o ramo do arbusto se parta.

    Rápido :)

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  2. 'de onde alguns - os cabeças-de-vento - se lançavam com a ilusão de aprenderem a voar na vertigem da descida.' ─ isto parece tão eu. Mas ainda não desisti! Os sonhadores não morrem. :)

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    1. Olhe, Sr. Impontual, digo-lhe já que a sua companhia eu aceitava só para ouvi-lo a declamar os poemas de Bukowski. :)

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  3. Tem tudo para acabar mal. Nos filmes pelo menos os arbustos partem-se sempre :))

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    1. Então tem tudo. Isto è um autêntico filme. De mau argumento, claro. .)

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  4. Talvez aprenda, quem sabe? Nunca é tarde para arrepiar caminho. Quiçá alguém o ajude a salvar-se da queda.

    (Eu sei. Sou uma optimista.)

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