O Senhor Impontual está sentado diante do mundo, por vezes sente vergonha. Não há nada brilhante, enfim... Os balanços são patéticos, remorsos é o que não falta, contradições publicas e arrependimentos. Viver deveria significar querer melhor, mais alto, maior e o Senhor Impontual só vê pessoas que não desejam senão um prémio de lotaria, fazerem fila um dia inteiro à porta da Ritinha Nails, aflitos, que ainda tem de ir à Boutique da Amélia levantar o outfit para a grande noite que será devidamente retratada e divulgada ao mundo dos alegres com o seu telefone plus, dourado. Tanto tempo, tanto dinheiro por tão pouca alegria! Annus Mirabilis!
sábado, 30 de dezembro de 2017
quinta-feira, 28 de dezembro de 2017
Hipotipose
O itinerante interrompe momentaneamente o seu périplo por galáxias superiores, a fim de partilhar com os prezados terráqueos dois farrapos da sua viagem de laboração imagética e dedicá-los à blogger que mais amou ao longo do ano que agora finda.
Sim, àquela que atira palavras de dentro para fora e de fora para dentro com uma simplicidade tal que por vezes não se sabe se são sanguíneas, se caíram do azul do céu, se as trouxe o vento norte ou se se desprenderam na junta que une o corpo à alma.
Para o ano logo se há-de ver.
Para o ano logo se há-de ver.
terça-feira, 26 de dezembro de 2017
Cú de Judas
Derivado da generosidade do presépio, o vivente embarca agora mesmo numa viagem que se prevê da mais elevada densidade arcaica.
O residente, volta ao contingente logo que a meteorologia assim o permita.
quinta-feira, 21 de dezembro de 2017
Dois cartões de Natal. Um com dedicatória, outro para quem o quiser apanhar
(para a ANOUK com um abraço)
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Minha cabeça estremece com todo o esquecimento.
Eu procuro dizer como tudo é outra coisa.
Falo, penso.
Sonho sobre os tremendos ossos dos pés.
É sempre outra coisa, uma
só coisa coberta de nomes.
As pessoas imaginam os seus próprios campos
de rosas. E às vezes estou na frente dos campos
como se morresse;
outras, como se agora somente
eu pudesse acordar.
(para quem o quiser apanhar)
quarta-feira, 20 de dezembro de 2017
Acendalhas
Em dias como o de hoje em que me permito regressar bem mais cedo do que é habitual e ainda debaixo da luz do dia, gosto de encontrar a casa vazia, fria, triste, escura. Acender a lareira lentamente e ficar ali a ouvir os primeiros estalidos da lenha a queimar. Depois, quando o lume pega completamente, os pedaços de lenha começam a brilhar e uma chama tremulante, regular, começa a dançar por toda a sala, fico por ali uns momentos de pé, como que a contemplar as chamas bruxuleando na vulnerabilidade da tarde caída. Até que me sento na poltrona de orelhas, alumiado apenas pela incandescência da lenha, acendo um Arturo Fuentes, dou umas baforadas generosas e deixo-me invadir pelas ondas sonoras do sistema nervoso que tentam impelir-me para tempos idos.
Não me permito olhar para trás. Se bem que as atribulações do mundo nos levem a superarmo-nos em lugares onde a vida podia ter dependido de um mero olhar. Os mundos de ontem, incessantemente revisitados, magnificados, auto-embelezam-se para se converterem em sonhos que nunca existiram. Não revitalizo firmamentos de azul celeste. Não recordo amabilidades, sorrisos de boas-vindas, langores outonais. Não recordo beatitudes, tempos de espírito sereno, de calma e de saciedade. Foi tudo difícil, arrancado a ferros. E saber que, noutras plataformas com vidas em cima, o sofrimento quase sempre leva a melhor sobre a felicidade, como a mágoa, como a incerteza das coisas, dos seres, como a falta de amor, como os telefones mudos, como a chuva, as frieiras, como o medo, as tormentas da ausência, a insónia, os suores nocturnos, despertares ancilosados, a ansiedade de uma partida, a ansiedade de um regresso, projecta-me o olhar num único sentido. Sim foi tudo difícil, o mundo de ontem não suscita arrependimento, nem nostalgia, cada instante foi vivido à saída de um desafio. Apenas ficaram uns abraços por dar.
Tantos abraços para dar. Abraços.
Tantos abraços para dar. Abraços.
segunda-feira, 18 de dezembro de 2017
Se houvesse degraus na terra...
Josef Breitenbach
Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã.
__Herberto Helder, "A faca não corta o fogo"
quinta-feira, 14 de dezembro de 2017
Presépio
O céu estava intensamente escuro. O espaço repleto de incontáveis estrelas cintilantes. Gabriel pairava à frente dela, transpirado, desejável, atingível. Maria conduziu as mãos e depois a boca de Gabriel no seu corpo, mas já não eram as mãos e a boca de Gabriel, eram as de José, o seu José, o seu verdadeiro amor de sempre. Maria tinha prazer e retribuía, era José que a penetrava, era José que a mordiscava, acariciava, chupava, era José que rebolava na cama e foram José e Maria, Maria e José que caíram adormecidos, o tórax dele contra as costas dela, abraçando-a, as mãos a apertar os seios, as pernas viscosas de sémen e suor, entrelaçadas. Depois foram Jesus, Maria e José.
terça-feira, 12 de dezembro de 2017
Apelo ao esforço poético
Minhas Senhoras e meus Senhores, passam os dias, passa o tempo. Sob o firmamento, tudo é mudança. Os nossos dias vão-se, correndo mais depressa que uma torrente. A fugacidade das coisas deste mundo convidam-nos a mais amizade, a mais fraternidade, a mais calor. É nesta ordem de ideias que o itinerante vem aqui ao vosso encontro perguntar-vos o que significa para vossas senhorias o Natal.
Vá, descontraiam-se. Vejo-vos tensos, como o mergulhador que sabe que não pode falhar a entrada na água profunda. Convém ser cortês com o mar, penetrar nele mantendo a cabeça bem direita. Semelhantes aos corpos que mergulham, os homens lançam-se no mundo e aí se abismam. Quereis uma musiquinha? Tomai e bebei deste magnifico hino natalício.
Vá, descontraiam-se. Vejo-vos tensos, como o mergulhador que sabe que não pode falhar a entrada na água profunda. Convém ser cortês com o mar, penetrar nele mantendo a cabeça bem direita. Semelhantes aos corpos que mergulham, os homens lançam-se no mundo e aí se abismam. Quereis uma musiquinha? Tomai e bebei deste magnifico hino natalício.
segunda-feira, 11 de dezembro de 2017
Aritmética Binária
O que é a minha vida? Pensa o itinerante. O que é a minha vida, interroga-se o residente. Ambos se abandonam a uma combinatória do virtual e do reflectido. Que movimento do acaso e das instituições os terá conduzido até ali?
sábado, 9 de dezembro de 2017
Bola d'ouro
Hoje não gosto de mim. E não sei se este momento é daqueles no qual o que não se diz tem tanta importância como o que se possa dizer. Se este silêncio tanto pode significar uma viagem reflexiva em busca da linha de sombra onde as dúvidas habitam, ou se pelas mesmas razões, é um périplo à procura do esquecimento, uma esperança minuciosa de que as certezas vão perdendo paulatinamente a razão de ser e sejam substituídas, como se tratasse de um sonho, pela paragem do tempo.
Seja como for, não gosto de mim assim. Até lá vou jogar à bola com o cão de pêlo pardo. Bora Fiodor... bora.
Seja como for, não gosto de mim assim. Até lá vou jogar à bola com o cão de pêlo pardo. Bora Fiodor... bora.
quarta-feira, 6 de dezembro de 2017
Cidade de fora
Estamos em Dezembro, a cidade de dentro enche-se do folgo natalício e sussurra. Do lado de fora, o vento gélido, as árvores nuas, a névoa escura tudo é capaz de me excitar a pele. Deixo-me invadir pela aventura do tempo. O tempo vindouro, aquele que desculpará o tempo passado. O ar recheia-se de partículas imperceptíveis que penetram no corpo, os odores do rio e dos jardins, mini-estruturas orgânicas, a natureza a exportar os seus indícios. Salto fronteiras, encaminho-me para territórios sofredores, voo até à cabeceira das palavras, sem hora fixa, nem lugar privilegiado, onde as bocas falam e desejam revelar-se. Sou uma orelha ambulante, aberta ao rumorejo dos seres, onde os laços rompidos, a solidão e a miséria condenam ao mutismo. Pequenos enclaves onde se desenrolam sonhos e existências falhadas.
segunda-feira, 4 de dezembro de 2017
Obituário
Em Portugal, quando as pessoas morrem passam a ser uns santos que viveram na terra.
Deferências!
Deferências!