sábado, 11 de julho de 2020

Palomar

Calções às riscas, camisa de linho branca totalmente desabotoada, cabelo puxado para trás, óculos aviator encaixados no nariz, o Senhor Impontual desliza pelo areal como uma pena. A água salgada, fria, desfaz-se a seus pés num vai-e-vem que nasce e morre na areia saibrosa. O Senhor Impontual vai andando e vai pensado, como é seu timbre: a maturidade de um homem está directamente ligada à perda da sua inocência; à desilusão, ao desencanto. Muda-se-lhe tudo: a maneira de olhar e de examinar as coisas, que se tornam mais distantes; os movimentos mais pausados e calculados; a própria voz que se torna mais grave, menos cristalina e menos feliz. O Senhor Impontual não sabe o que pensar destes desfiles de jovens, desta violência, deste desvario pela captura do momento perfeito, fugaz e inverosímil. Desta gente que não entende que a felicidade e a liberdade são coisas inseguras e instáveis e por isso mesmo belas. Que têm de ser vividas e não apenas fotografadas e difundidas.
Lançam-se num mundo e num tempo hostis e insociaveis - submetem-se a essa domesticação; ignorantes, afáveis e disciplinados. Longe de imaginar que, logo logo, tudo será nocturno e reiteradamente silencioso. As bandeiras penderão murchas, na noite e no silêncio. Logo logo haverá uma parte deles que anda mais devagar.
Sabem agora um pouco de tudo e muito de nada. Saberão mais à frente, sobretudo, que os homens não suportam muita realidade.

20 comentários:

  1. Boa tarde, Mister Impontual
    Fiquei com uma dúvida e se tiver a bondade de me esclarecer desde já o meu muito obrigada.
    Os homens, género masculino, ou as pessoas?

    Um bom fim de semana e boa praia.
    ;)

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    1. As pessoas.
      (desculpe o enfoque no masculino)

      Obrigado. Bom fim-de-semana, Cara Maria.

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    2. Não tem nada que pedir desculpa mas temos que ir acompanhando os novos tempos, não lhe parece?
      A leitura que fiz: coitados dos homeb!!!
      Deve ser por causa dessa fuga da realidade que não entendem as mulheres.
      🤣

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    3. Parece-me que o Senhor Impontual não é um homem deste tempo. Nem do outro.
      Parece-me ainda que a Maria, sem querer, atropelou a similaridade de naturezas. :)

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  2. Terão mais tarde fotografias felizes e vão construir a partir delas memórias felizes. O passado é sempre algo reconstruido. Terão a capacidade de pensar "Eu não era assim tão feliz..."? Quando perceberem que aumenta todos os dias a certeza do tão pouco que sabem de tudo.

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    1. Será um banho de realidade. As pessoas depois de crescidas já não gostam disso. :)

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    2. Não será uma questão de gostar... aprende-se a olhar para a realidade de outra maneira, ou tem-se outra percepção da realidade.

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  3. Muito gostava eu de ser uma pequena gaivota, para ir sobrevoando o espaço desse areal e, atentar nos lábios do Senhor Impontual, só para ver se ele, tal como eu, murmura aquilo que vai pensando...

    Um abraço, Senhor Impontual.

    PS- Pobres das mulheres que não entenderem toda a beleza que há guardada na alma de um homem, que vê mais longe, do que aquilo que os olhos podem ver. :)

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  4. Uma boa parte de mim é certamente esse homem...
    Tirando os óculos aviator:)

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    1. Tem razão CC, óculos aviator ficam mesmo mal nas senhoras.

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  5. Pois é Impontual, quando esta geração se aperceber que os castelos que constroem nas nuvens cor de rosa não têm alicerces, mais de metade das suas vidas lhe passou ao lado. Aí terão que aprender a andar na Realidade.
    Bom domingo Impontual :)

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    1. Banhos de realidade fora de tempo. Lá terá de ser, não é Sandra?

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    2. :) pois! Mas mesmo fora de tempo, enquanto vida e memória haver estamos sempre a tempo de viver o momento. Com a vantagem deste ser vivido com uma nesga de experiência e de esperança. Não é fácil, mas também não é impossível, diria que é uma questão de auto-disciplina, resiliência e atitude positiva, que se adquire no tempo, para além do meio tempo.
      Boa semana :)

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  6. Esta sua reflexão fez-me lembrar os concertos onde há malta que passa o concerto todo a filmar e a fazer diretos para as redes sociais, não usufruem dos momentos, tal é a necessidade de mostrarem onde estão e a fazer o quê... tal como as fotos, as selfies, enfim... quando se é novo, pensasse que o tempo parou, talvez essa ignorância do que realmente importa, seja necessária, para haver juventude, senão envelheceriam todos demasiado cedo! Digo eu, que começo a querer saber muito de pouco, do que realmente importa. Bom domingo!

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  7. Também eu hoje, deslizei calções às riscas (que as minhas crianças insistem em afirmar que se confundem com o pano das barracas...), observei bandos de pardais, e pensei que ainda ontem também eu era um pardal.

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    1. E na realidade confundem, não é meu Caro? Na praia todos somos deuses. :;)

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  8. Boa noite, senhor Impontual. Nós já fomos, senão assim, parecidos a assim:). Há um tempo para tudo.

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  9. Há tempo para tudo, menos para perder tempo. :)

    Bom dia, Bea.

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