quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Catapulta

Hoje, neste país, mesmo atardadamente, ouve-se centos de vezes o proferir de palavras gratuitas, com destino, mas sem presente, sem passado, sem final, sem sentido. Como se as palavras atiradas pudessem explicar sempre tudo. Excepto o ter-se chegado atrasado, claro.

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Sessão da Meia-Noite



"Mónica e o Desejo" - Ingmar Bergman,1953

Com a Miss Smile, porque a admiração tanto advém dos mergulhos no escuro como dos mergulhos na alma. Portanto, uma assinatura sóbria, com letras pequenas e inclinadas e uma pequena laçada, por vezes ridícula, no fim do nome.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Palomar

O Senhor Impontual esteve fora, num desses países com pouco sol e muita noite, e está feliz por ter voltado num fim de tarde magnifico como o de hoje! Enquanto percorria a auto-estrada do aeroporto até casa, o Senhor Impontual veio acompanhado pela lua. A cada mudança de direcção lá se ia escondendo atrás das nuvens, depois lá aparecia de novo no topo dos montes, imponente. Foram cinquenta quilómetros a observar no horizonte uma lua ora fugidia, ora omnipresente e luminosa. De vez em quando o Senhor Impontual ia fazendo um tubo com a mão e encostava-o ao olho e aí ela diminuía de tamanho, mas o seu interior ficava ainda mais encantador - a lua e quase todas as suas crateras.

Em tempos o Senhor Impontual conheceu uma mulher que também fazia com que o seu mundo ficasse agradavelmente mais reduzido, pelo que não tinha necessidade de mais nada para ficar numa felicidade extrema a não ser olhar para ela imersa na banheira com o corpo refractado pela água, ou observa-la enquanto dormia, ou mesmo quando se levantava da cama num gracioso movimento arqueado. Ela era o tipo de mulher que nunca nos cansamos de olhar, pois era reservada e tinha uma vida interior intensa que dava muito que fazer ao Senhor Impontual. Olhar para ela enquanto estava concentrada em alguma coisa - num livro, a fazer uma mala, a atar os atacadores dos ténis - era maravilhoso demais. 

O Senhor Impontual está agora no alpendre, distendido na poltrona de orelhas com os pés sobre o escabelo, a ouvir Sinatra em "fly me to the moon" enquanto toma um copo de vinho tinto e, de repente, sentiu vontade de montar a árvore de Natal. Mas já se sabe, o Senhor Impontual não responde a impulsos subliminares.

O Senhor Impontual teve pena de não poder estar presente na festa do Jazz que acontece todos os anos em Novembro numa cidade que ama muito.

terça-feira, 6 de novembro de 2018

LH2086 - Seat 6A

"Sabe, as pessoas não imaginam o que significa envelhecer. Um homem não tem nada a perder quando envelhece, desde que não faça um mau negócio com a lei da gravidade. Mas não é isso, sabe. Não é o peso, não são as rugas, não é a falta de cabelo. O problema é que ninguém nos avisou que passaríamos a ter de urinar 5 vezes por noite. Com a sua licença..."

No regresso dos lavabos, mais aliviado, conta-me que vai visitar a filha - que resolveu vir viver para um destes países com pouco sol e muita noite -  e o quanto tinha adorado a mulher, que morreu quando a filha era ainda um bebé. Amava-a completamente, e depois, de repente, o seu pâncreas deixara de funcionar e ele ficou com a criança pequena, como única lembrança dela. À medida que ela foi crescendo, começou a parecer-se estranhamente com a mãe, e ele deu consigo a olhar para ela fixamente, à mesa da ceia, observando aquela rapariga a transformar-se à sua frente, em etapas definidas, numa mulher há muito tempo falecida. Isto acabou por leva-lo à loucura: começou a pensar que ela tinha voltado para ele, e que ele tinha de novo trinta anos e a cortejava...

"Sabe, eu acho que a doença mental é um luxo de que a maioria das pessoas não pode usufruir. Eu pude..."