quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Conclamação

O verdadeiro triunfo da indiferença podia ser outra coisa qualquer. Como o gosto de manejar a condescendência e a delicadeza. Mas não. Cada coisa a seu tempo. Em primeira analise são as palavras vindas de nenhures que se tem vontade de imprimir, vindas de onde não podiam ser ditas e, sobretudo, (con)clamadas.

Acontece muito em dias de frio e chuva.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Sabem aquelas pessoas ?

Que porque se dão mal com ausências injustificadas, com a falta de respostas, com silêncios enlouquecedores, com desaparecimentos. Nunca o mereceram, são naturalmente transparentes e se andam sufocadas para dizer, havia sempre uma forma de o saber - olhando-as nos olhos, e bastaria isso para que pudessem dizer tudo. E tinha de ter sido dessa maneira. Não sendo, e esperando que o dano seja o menor possível, apresentam automaticamente a sua demissão de uma história que nunca o foi. Sabem?
Por vezes gosto de gente assim, outras não dá jeito nenhum.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Luz

Separamo-nos à primeira claridade da manhã, debaixo da dúbia luz dos dias que nascem depois das chuvas. Já é uma luz que se distingue, mas ainda sem ostensivo orgulho. Há muitos pintores da noite para além de Rembrandt. Mas há poucos pintores da aurora, porque a aurora é luz glauca, é a hora da essência, a vereda dos passadios. O único que sobressai neste aspecto é  Caravaggio e poucos mais. Gosto muito de ti. Sê prudente.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Ainda sobre as idades

Agarrou-lhe na mão, puxou-o para dentro e fechou lentamente a porta atrás deles. A névoa ficou do lado de fora. Os deuses haviam preparado a candeia do pecado: a um canto tremeluzia a luz minúscula do candelabro azul sobre a cama. Ela já não era a mesma, adquirira novos truques de elevar o prazer, praticava-os com todo um outro tacto e com uma outra paixão, as pernas longilíneas e ainda muito sedosas, levantadas para o céu, cadenciavam o triunfo de um amadurecimento irreversível. Tudo na perfeição: a mente, as emoções, o corpo, a cegueira do instante revisitando um tempo lá mais atrás, a pulsação surda, a frenética simultaneidade. A explosão do pus dos adiamentos acumulados. O tempo compulsivo, a época das idades menos amadurecidas, explanados numa tarde de sol brando.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Geração sem idade


As pessoas da geração sem idade estão desanimadas com o futuro, porque estão cada vez mais conscientes de que, como espécie, perseguem um sonho inspirador que as levou à ruína. Disseram a si próprias que o mundo estava ali para ser conquistado por elas, pelo que quanto melhor parecessem e o mostrassem publicamente, quanto melhor seria o seu controlo, maior seria a sua vantagem, melhor o seu mundo seria. A base filosófica desta geração, apoiada na crença que o mundo estava aqui para ser controlado por quem dominasse o outro, parecendo bem, é uma crença equivocada. Esse optimismo rapidamente passou a ser a fogueira em que se têm queimado. Uma espécie de auto-aniquilação progressiva que, a cada flash, lhes mostra um mundo mais azedo, mais caótico, profundamente confuso.

Por exemplo, se isto fosse o Facebook ou o Instagram, eu precisava de pensar muito bem sobre que mensagem pretendia transmitir como alternativa ao mito do domínio e do parecer bem que deformou ideologicamente esta geração sem idade. Felizmente isto é um blog. E a melhor coisa de um blog é que não precisa sequer de fazer sentido. Por isso fico com o meu cérebro descansado a fotografar a música que oiço, os livros que leio, o cão que se passeia no areal. O que, diga-se em abono da verdade, também não faz de mim um rapaz sem idade.
Busca, Fiodor, busca...

sábado, 17 de fevereiro de 2018

Plebiscito

Nunca um ditador deu ao seu povo a escolher se queria ser livre ou continuar a ser oprimido. Nunca uma ditadura na história da humanidade se submeteu a sufrágio para passar a democracia ou manter-se ditadura.
Os estultos são fáceis de manipular. Não discutem projectos, desígnios ou intenções. Cultivam em si o sentido da aclamação. Por isso não têm o impulso de começar uma guerra, por exemplo. Mas continuam a ter prazer em ser cruéis.
Aquilo parecia um congresso de uma igreja qualquer de um qualquer reino de deus.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Neve

Regressados, contam-me sobre castelos e dragões esculpidos a partir dos montes de macia neve dinamarquesa, de como eles e outras gentes importantes percorreram, deslizando em tábuas de madeira de fino recorte, toda a distância até à Prússia, mas vê-se claramente que não estão preparados para que a neve apagasse o mundo inteiro (que não houvesse céu, não houvesse cidades) e o deixasse como uma página quebradiça e em branco.
Friorentos.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Quarta-feira de cinzas

É provável que todos venhamos a odiar aquilo em que nos transformamos. Ninguém é o único. Já vimos mulheres olharem para si mesmas em espelhos de restaurantes, quando os seus consortes não estavam presentes, mulheres sob o seus próprios feitiços, enquanto observavam alguém que não reconheciam. Já vimos homens retornados de outras vidas olharem furtivamente para si próprios em vitrinas de lojas, enquanto tacteavam o crânio sob a pele. Uns e outros pensaram que se livrariam do pior da juventude e que conquistariam o melhor da idade, mas o tempo acumulou-se neles, enterrando as suas esperanças antigas sob a areia. A vida relembrada na medula e não na mente. A tua e a minha história podem até ser muito diferentes, mas acabam por ir dar ao mesmo. 

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Da leitura de Al Berto, em contraponto

@Graciela Iturbide

Primeiro é aproveitar o silêncio, pois é aí que melhor se consegue espantar a morte (lenta, digo eu), depois é caminhar como sempre caminhamos, dentro de nós - rasgando paisagens, lavrando mares, deglutindo todas as imagens, distraindo o medo na fímbria da noite, afugentando todos os pássaros do crepúsculo. Assobiando.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Quereis não uma mas duas sugestões de leitura?


Mas se antes quiserdes vestir um desses farrapos de tule com uns penduricalhos de brilhantes falsos em cima, a deixar entrever as carnes brancas e mal passadas e, enregelados, ir dançar o samba num desses cortejos carnavalescos onde com uma folia abnegada aclamareis o vosso amigo Charlie Brown, estais à vontade.

Ah, e estou a ouvir ora Lou Reed ora Fausto Bordalo Dias. Não sei se gostais?

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Quem dera que o amor fosse como o sexo

O amor não devia atender a nada mais do que o amor. Como acontece no sexo.
Caso não lhe seja conspurcado pelas condições do homem civilizado, o prazer físico entre um homem e uma mulher pode atingir o êxtase. O sexo tem esse poder; o de superar a confusão com os limites nas relações pessoais. Já os que se atrevem a molhar os pés apenas no rio que traz as águas do amor perdem algo de fundamental. As suas associações vão-se tornando meros negócios, investimentos especulativos neste e naquele particular, não é de surpreender que tais ligações se afundem no ciúme.
A partir do momento em que amor é moeda de troca transforma-se num instrumento de repressão e controlo. Promessas de felicidade, fidelidade e sacrifício e que parecem sagradas, não passam de egoístas demonstrações de posse, fraudulentas, despidas de pureza - como a sexual -, enganadoras a nível individual e social. A prova é visível: todos os pares por mais felizes que seja no começo, acabam mais tarde ou mais cedo por odiarem tudo isso e por se atormentarem.
Tende juízo senhores de sotainaQuem dera que o amor fosse como o sexo.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

L'esprit de l'escalier

Que estranho sentimento esse o de ser sportinguista. Não?