quinta-feira, 13 de abril de 2023

Beijo

Entrou e sentou-se ao balcão. Encomendou um Bourbon com 15 anos de idade. O que espera naquele bar sem nome? Cheiro, algo de desconhecido, uma vontade infinita de estranho. O seu desejo da manhã não a deixou. Pelo contrário. Todo o dia a lancinante injunção instilou-lhe urros na pele, os lábios corolas do sexo molharam-se repetidas vezes por um clarão, uma imagem rememorada, monstro enroscado no seu corpo que reclama e exige. Cada veia, cada artéria soletra: fruição, prazer, caricia, pele, vai-e-vem...o sexo que hesita, joga, aflora o clitóris antes de penetrar. Ela pensa penetrar e olha em redor: castiçais, garrafas, copos esguios, o que pode brincar à entrada de um corpo? O ideal, um homem invisível que roçasse e se aproximasse sem ela saber e depois arregaçasse os tecidos e as rendas, tomasse, rasgasse, um homem sem rosto, mudo... e que se sumisse. Acto continuo. Incógnito. Uma sombra.

Pagou a conta e foi-se embora. Avançou sóbria de presente, ancas a ondular sobre o único palco onde se joga o bailado de uma vida. Na rua, a ausência da Primavera, o acaso dos transeuntes. Frágil entre frágeis. Também precisava de um beijo.

1 comentário:

  1. Que pena! Que no dia em que se celebrou o Dia do Beijo, houvesse tanta carência de beijos...

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