Posso contar aventuras pessoais com um século, com um ano, com uma estação, com um mês, com um dia - o dia em que se viram as coisas estilhaçarem-se. Transformar em lenda o meu bairro, um passado, ou ainda uma vida que não seria vivida. Deixar-me dias a fio a ver, emudecidas, perpetrar-se as exacções nos ecrãs da minha sala ou de outras choças feitas de adobe por esse mundo fora. O corruptor que corrompe, o corrompido que mete ao bolso. Ficar impotente perante o que poderia ser e o que não é, a indigência das respostas, uma civilização que se vai perdendo. Saber isso, repisando-o, litanias lancinantes do quotidiano. Lançar-me no vazio, nomeando-me a mim mesmo o chefe territorial dos degredos do mundo. Sobreviver. Deixar o mundo ditar o seu descontentamento. Ouvi-lo, desgrenhado.
Ou então inflamar a vida, pedindo ao mundo, com jactância, uma miríade de êxtases: sidera-me exalta-me, deslumbra-me, atordoa-me, e que isso não tenha fim.
Também poderia ser um encantador de serpentes. Em cima da cama uma maçã: "atentamente, a cobra".
Mas, não sei. Tenho de pensar.