terça-feira, 19 de março de 2019

Eles

Eles olharam por eles com tanto cuidado, quando eram pequenos, ansiosos por não perderem o seu primeiro grito, o seu primeiro passo, a sua primeira palavra, nunca tiraram os olhos deles. No entanto, eles não cuidam deles. Eles têm de enfrentar o fim no meio da solidão - mesmo os que vivem com eles morrem em solidão - e raras vezes tomam nota dos seus últimos marcos importantes: o último grito, antes da morfina começar a fazer efeito, os seus últimos passos, antes de deixarem de conseguir andar, a sua última palavra, antes da sua garganta ficar selada.
Como é que eles se perdoam a eles próprios? A ingratidão lê-se na segunda face da medalha.

12 comentários:

  1. Que post tão negro para este dia, signor Impontual. A vida também passa por a celebrar, com alegria. Pais e filhos. Juntos. Ou mesmo separados se assim tiver de ser.

    Uma boa tarde de sol neste dia em que o almoço vai a meio :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Maria, quer dissertar sobre a problemática? É que se quiser temos muito para dizer.

      Ainda assim, dou-lhe um exemplo comum:
      (ainda agora durante o almoço, um dos convivas pediu licença para sair da mesa um pouco mais cedo , que tinha de ir comprar uma gravata para o "velho" que hoje é dia do Pai. Eu, sabendo que o "velho vive com essa pessoa, pensei para comigo: uma gravata para quê? para pendurar do closet? Uma vez que o velho, embora viva com essa pessoa, passa o tempo todo em casa afogado na maior das solidões e ao fim de semana, enquanto eles aliviam a cabeça em escapadinhas, o velho fica em casa a olhar para as gravatas penduradas no cabide do closet.

      Eliminar
    2. Dissertemos...

      Há não muito tempo mudei-me da cidade de Lisboa onde sempre vivi, coisa que seria impensável, pensava eu, sair de Lisboa, da cidade, de toda uma vida cosmopolita a que sempre estive habituada, nunca. O nunca sofreu uma queda e transformou-se em talvez e o talvez por sua vez transformou-se em: vamos a isto... a minha mãe morreu e eu prometi que tomava conta da casa de família com o jardim incluído e árvores e arbustos e toda uma parafernália de coisas que para mim até à data eram desconhecidas, quer dizer, eu conhecia tudo mas ao longe, só de visita.

      O local onde vivo agora não é muito longe de Lisboa, de carro é coisa para dez minutos e lá estou eu em pleno Chiado novamente, tem a vantagem de em cinco minutos estar na praia, diria que acaba por ser o melhor de, não dois, mas três mundos. Só que, existe sempre um 'mas' ou um 'só que', tive de me habituar a outro género de pessoas, mais velhas, reformadas, não serão todas, mas acredito que provavelmente será uma maioria, e neste habituar comecei a ver, ouvir, observar, situações que até à data também me eram desconhecidas, Por exemplo, muitas destas pessoas mais velhas, na casa dos 70 ou mais, não gostam de sair de suas casas, sentem-se desconfortáveis com outros mundos, por muito que os filhos os convidem para passar uns dias com eles, que os convidem para sair, para almoçar nos fins-de-semana, para isto ou para aquilo, quase todos os convites são recusados. Conversei com alguns filhos que, já desistiram, com este desistir, os pais são vistos quase sempre sozinhos, muitos olhares alheios, desconhecedores desta realidade ditarão julgamentos, julgamentos na onda de que os filhos abandonaram os pais. Confesso-lhe, se ainda estivesse a viver em Lisboa e desconhecesse de perto esta realidade agora tão próxima, também eu era capaz de fazer o mesmo. Já não o faço. Daqui se conclui que por vezes aquilo que parece, nem sempre é.

      Óbvio que com isto não lhe tiro a razão e sei perfeitamente a que se refere, mas nem sempre é assim. Existem pais abandonados pelos filhos, mas também existem abandonos, solidões, que crescem alimentadas pelas pessoas mais velhas. Não tenhamos dúvida em relação a isso, Eu agora já não tenho.

      Peço desculpa por me ter alongado, prometo que não o voltarei a fazer, quer dizer, continuarei a cá vir, ler e comentar, porque gosto desta esplanada virtual à beira-mar estendida, mas serei muito mais sucinta.

      Tenha então um resto de boa tarde, caro signor Impontual :)

      Eliminar
    3. Maria, já sabe que aqui pode alongar-se quanto quiser.

      Quanto ao assunto em si, obviamente que gosto de acreditar que a fatia dos que tratam bem os pais é sobejamente maior do que a fatia dos que não o fazem, mas a problemática do abandono dos pais pelos filhos vai muito além do exemplo que deu do apego à terra e às suas coisas. Há pais que vivem com os filhos na mais profunda solidão...

      (meto ali reticências, porque estou a evitar prosseguir com exemplos da pior natureza para fundamentar este meu lamento em relação a esta problemática)

      Digo-lhe apenas mais isto: para mim, bastaria haver apenas um caso de abandono por ano para mostrar a perversidade com que é tratada a velhice dos pais. Infelizmente são muitos. A perversidade nesta matéria é grande, quer queiramos quer não.

      Obrigado por ter vindo, MM.

      Eliminar
    4. papa faleceu absolutamente acompanhado (de Coimbra a Lisboa todos os fds (a mana e eu idas, acompanhadas, quando lhe anunciei o meu casamento e ele ainda pode ir); já a minha mamma era terrivelmente independente: decidiu, obedecemos: connosco: se foi fácil? não, mas obedecemos, principalmente os meus queridos maninhos, tantas urgências até às 06h00 da manhã, entrando elesnno lavoro às 08h00.


      fizemos tudo o que foi possível, respeitado a sua vontade, lúcidos, ambos.

      Eliminar
  2. Cuidar deles com zelo e carinho, é o dever de todos os Pais.
    (nem todos o fazem, ou fizeram)
    Cuidar deles, retribuindo o recebido seria o dever de todos os Filhos.
    (nem todos o fazem, porque não o receberam, ou não o puderam fazer)

    Coloco as coisas, não no patamar da gratidão, Impontual, mas no dever sagrado de cuidar de quem nos cuidou.

    Se acaso for Pai, um bom Dia para si, caro Impontual. :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Não gosto muuito do termo "dever", na medida em que a consciência de cada um é muito volátil e aquilo que a Janita considera de dever decorre do sentido da obrigação e não do completar do ciclo natural. Às vezes o dever é cumprido imbuído de um egoísmo que doí.

      Mas... gostava de concordar consigo " no dever sagrado de cuidar quem nos cuidou".

      Obrigado.

      Eliminar
  3. Sô Impontual, que post terra a terra, verdadeiro, sem espinhas. é claro que não é tábua rasa, mas diria que, tirando algumas circunstâncias, já por aí apontadas, e que também são verdades, sejamos honestos, a maioria não gosta de velhos, esquecendo-se até, que é para lá que caminham.
    A frase, filho és, pai serás, um dia, lhes fará sentido, quando os filhos, agora deles, não gostarem de velhos também.

    Para terminar, lhe digo, abomino simplesmente, a necessidade de dias disto e daquilo, só me mostram o quanto desumanizados estamos.

    Boa tarde, Sô Impontual

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. noname,
      Justamente por não ser tábua rasa, muito me custou publica-lo.

      Eliminar
  4. Nem sei o que diga sobre este assunto tão triste. Ser velho é morrer devagarinho, na solidão e na tristeza. Poucos são os que acabam com dignidade. E arrisco dizer que muitos até são acarinhados.

    ResponderEliminar