terça-feira, 17 de setembro de 2019

Pintar Setembro

Vem posar de dois em dois meses. Sempre no inicio do mês, sempre no inicio do dia, sempre a uma terça-feira. Estamos em meados de Setembro, nas árvores ocorre a flavescência das primeiras folhas. Diante de mim, ela é frágil. O seu corpo parece vazio. Está à beira de chorar. Retém as lágrimas. Tem de dizer qualquer coisa. Mas não possui a superioridade dos magníficos, esses que encontram, sem reflectir, expressões luminosas. Não tem essa desenvoltura que exaspera os aplicados, que desencoraja os laboriosos. Tem apenas o seu sorriso trémulo, a sua tez de pêssego onde se desenham umas finas linhas precoces, a idade em fuga. É irresistível e indefesa. Linda e desamparada. Tem de dizer qualquer coisa. O rio, lá fora, está como que suspenso da sua palavra. O céu está imóvel também. A manhã chega ao fim. Baixo os olhos. Não pretendo força-la a nada. Não espero nada dela. A mim, não deve palavra alguma. É uma questão entre ela e ela, essa história de dever dizer qualquer coisa. Na paleta tenho apenas um tom, pastel, esconjuro de feridas na alma. 

12 comentários:

  1. A idade em trânsito e os seus fantasmas. E os exorcismos da alma em tons pastel.
    Magnifica tela! :)

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  2. Caro Impontual.

    Há - não quero dizer 'houve' - uma blogger que se ausentou, há largos anos, para o país do sol nascente e nunca mais deu notícias nem voltou ao seu «Bonsai». Culta e viajada, havia nela uma simplicidade tamanha, aliada ao uso da palavra gentil e doce, que me conquistou para todo o sempre. Ainda hoje visito o seu blogue e lhe deixo uma mensagem, outras vezes entro e saio em silêncio.
    Hoje, voltei a visitá-la. Li algo que lá deixei e me encheu de emoção pela saudade que dela senti.

    Não sei porquê, mas senti que gostaria de oferecer também, ao Impontual, esta mensagem. À querida Loli - diminutivo de Margarida - porque a conheci e a perdi de vista, ao Impontual, porque nunca o vi, sei que não verei nem quero ver, mas de quem me sinto perto. Coisas...vamos lá entender o porquê daquilo que se sente, né? :)

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    "Vejo-te através da espuma quebrada na areia das praias, num mar de Setembro, com cheiro a algas e a iodo.
    E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente.
    Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros.
    Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram.
    Não perdi nada, apenas a ilusão de que tudo podia ser meu para sempre.”


    Miguel de Sousa Tavares – “Não te deixarei morrer, David Crockett”

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    1. Bolas!! Esqueci-me de acrescentar que, pode ser esta - a minha -, uma outra forma de pintar Setembro. Pode, não pode?

      :)

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    2. Muito grato, Janita. Eu estou aqui.

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    3. Fico feliz por saber que continua desse lado, Impontual.
      Obrigada.

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