terça-feira, 3 de setembro de 2019

Setembro

Passaram a noite num hotel de praia que no andar de baixo tinha um restaurante muito popular e, naquele entardecer de Setembro, o seu terraço com toldos e caniços estava a transbordar de gente cujo o alarido chegava aos quartos e, juntamente com as vozes e as risadas, chegava também um odor a lulas grelhadas e mexilhões em vapor.
Ela olhou-se nua de perfil no espelho do guarda-fatos e observou o baixo-ventre que ia amadurecendo sobre as ancas largas. Antes que se apagasse a luz que ainda restava no mar, estenderam-se numa cama com cabeceira de ferro que, dentro de pouco tempo, começou a gemer, enquanto na praia se ouviam canções entoadas em coro por um grupo que havia lanchado bem. Foi nessa cama que, pela primeira vez ela lhe disse que o amava e que o seguiria para sempre, para todo o lado que fosse, como uma cadela. Depois de ambos se possuírem com uma profundidade desconhecida, ficaram exaustos e suados, deitados de costas em silêncio. Por fim, ela murmurou:
 - Agora recita-me outra vez aquele poema. 
 - Outra vez? Estamos às escuras. Não posso ler.
 - Sabes de cor. Começa - disse-lhe ela de forma imperiosa.

- "Pernoitas em mim... e se por acaso te toco a memória..."

5 comentários:

  1. Também gosto muito da poesia de Al Berto.

    Boa noite, Impontual.

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  2. Claro que uma mulher de ancas assim só num momento de delírio diz isso. Sabemos que depois quem tem que a seguir é ele...

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  3. Um texto delicioso... um extrato da vida real!
    Um casal que se ama, se entrega numa cama de hotel...e que exaustos se tocam mais uma vez, pela poesia!
    Belo texto!!!

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