quarta-feira, 28 de julho de 2021

Entrefolhos

Assim que toquei a campainha a porta abriu-se num movimento imediato. Lá dentro era uma sala de mobília tubular em preto e branco, no chão um tapete de lã, espesso, como uma nuvem por onde me deixei deslizar. Não conservo recordações dessa noite, nem das pessoas que ali estavam, nem da musica que foi tocada. A única coisa que subsiste na minha memória é o seu rosto, uma oval perfeita riscada por lábios vermelhos, olhos de corça, planetas de reflexos escuros no interior dos quais parecia decidir-se os destinos do universo, pescoço fino, o movimento do corpo constantemente a escapar às regras mais elementares da gravitação, nádegas aristocráticas, seios tumefactos de vida e de sumptuosos mamilos. Recordo ainda o encontro dos corpos de onde se exsudaram odores intensos, os dentes a morder a pele, ser conduzido às portas do inferno, de me enterrar até ao fundo. E uma vez percorrido esse caminho, escavar a minha própria sepultura, afundar-me no abismo escorregadio onde outrora tantos outros haviam perecido. Não sei se era sábado ou domingo.

5 comentários:

  1. Combina melhor com um sábado:)
    ~CC~

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  2. Muito eu gostava de saber como são as "nádegas aristocráticas."
    Pode elucidar-me Senhor Impontual?
    Agradecida! :)

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  3. Também não importa o dia, sr Impontual. Era fim de semana, o que sabe sempre bem.
    Já não sabe tão bem a sepultura. Era bem mais confortável voltar ao 'tapete de lã, espesso'.
    Mas, pronto, a cada um a sua opção, mais ou menos aristocrática, ou democrática. Não sei.
    Boa noite, sr Impontual

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  4. Ai com franqueza, senhor Impontual, este post é com bolinha.
    Hummm....sumptuosos mamilos...vai ver eram tetas de vaca e fez confusão. Mas isso é por ser dado a enterros em lugares estranhos.

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  5. Afundei de tanto rir com as ditas " nádegas aristocráticas".
    Bom dia, Impontual :)

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