terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Por aqui ainda não há pássaros

As coisas parecem prosseguir como se eu não estivesse aqui. O meu estado de absoluta indiferença não me assombra nem me entristece. O trabalho absorve-me. Mas o silêncio, agora, é pegajoso. Húmido. Um silêncio húmido que ninguém interrompe, como que por temor. Nem os pássaros arriscam um pio. Tombou o silêncio e o silêncio parece querer vigiar tudo e todos: os homens, as mulheres, as ruas, a sombra imponente dos prédios, os animais, as árvores, os barcos, o rio. Provavelmente, o silêncio é uma forma imperativa de esquecimento. E bem precisamos de obliterar o tempo presente. Mas ... e quando já não houver mais nada para esquecer?

12 comentários:

  1. "A morte e a vida morrem
    e sob a sua eternidade fica
    só a memória do esquecimento de tudo;"

    Um abraço, I.

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    1. '... também o silêncio daquele que fala se calará'

      Abraco, querida Flor.

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  2. Credo... Aqui enlouquece-se de forma palradora...

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    1. Não sei como é que eles aguentam esses chuvosos amanheceres, Ana.

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  3. O esquecimento é sempre uma arte a praticar para a vida poder continuar. Demoraremos a esquecer este tempo? Não sei. Vai depender muito do que cada um viveu.
    ~CC~

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    1. Importa esquecer depressa. Cabe abrir espaço para o que aí vem. Que sejam tempo serenos.

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  4. Há pássaros, sim, mas, talvez imbuídos do silêncio das coisas e dos homens - sabe-se lá -, cantam mais tarde. Ou a humidade tem o efeito contrário e seca-lhes a garganta. Mas não duvide, há pássaros. Já os vi e ouvi, é saber de experiência feito.
    Bom dia, senhor Impontual.

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    1. Sim, Bea. Pareceu-me ver já um pombo, calado, cinzento, a rondar a tangerineira.

      Boa tarde.

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  5. Olá, querido Man With a Chair!

    Sabes, aquilo que os teus sentidos percepcionam, é mais ou menos geral, mas, se há cousa que aprendi há muito tempo (obriguei-me, foi demasiado tempo até conseguir, mas talvez se deva a algo que transporto dentro desde muito menina, tão faladora e gargalhante :) é que existem sempre outros detalhes, e é nesses que me foco e assim vou seguindo, até parada....

    Abraço grande!

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    1. Querida Alexandra.
      O abraço já. Depois, sim, dizer que partilho veementemente desse seu esirito Nabokoviano dos detalhes: "acariciai os pormenores, os divinos pormenores...

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  6. Um silêncio húmido e frio...
    ...que se entranha nos ossos.
    Não gosto disto.

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    1. Boop, não tarda choverá sol e os anjos e os arcanjos soprarão as suas trombetas celestiais.

      Aceita um abraço?

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