Se eu escrevesse para os outros, deleitar-me-ia a descrever tudo o que não sinto necessidade de descrever para mim. Recorreria a uma enorme paleta de cores cruas e insólitas. Escreveria com uma bonita caligrafia sobre o céu azul desta tarde de Novembro. E uma sensação de azul liquido incitaria a minha mão. As palavras alinhar-se-iam, crispadas, incapazes de circunscreverem esta sensação de azul que me dilata o coração. E com a mesma caneta, a caneta da ilusão, descreveria o vento, o horizonte, as ondas à minha frente, as montanhas arrasadas atrás de mim... e o sol lá em cima.
Mas como não escrevo para os outros e vim até aqui chamado por mim, não fotografei o azul. Um evadido não olha para as ondas nem para o céu.
Para quê fotografia se a intimidade das palavras volitam tamanhas imagens.
ResponderEliminarBom entardecer, Impontual.
Ah Perséfone, as palavras são umas bêbedas...
Eliminar;)
Vou dedicar-te um postal por conta do que escreveste, tão certeiro e ligeiro e mais ou menos honesto :)*
ResponderEliminarObrigado, Querida Alexandra. :)
EliminarSem honestidade nenhuma, concedo.
Nunca deixamos de escrever para os outros, um blogue é também isso.
ResponderEliminar~CC~
Sim CC. É bom termos onde depositar os versículos do quotidiano. :)
EliminarE se alguma vez, faltar o azul, há sempre uma receita para o fazer.
ResponderEliminar[Se quiseres fazer azul,
pega num pedaço de céu e mete-o numa panela grande,
que possas levar ao lume do horizonte;
depois mexe o azul com um resto de vermelho
da madrugada, até que ele se desfaça;
despeja tudo num bacio bem limpo,
para que nada reste das impurezas da tarde.
Por fim, peneira um resto de ouro da areia
do meio-dia, até que a cor pegue ao fundo do metal.
Se quiseres, para que as cores se não desprendam
com o tempo, deita no líquido um caroço de pêssego queimado.
Vê-lo-ás desfazer-se, sem deixar sinais de que alguma vez
ali o puseste; e nem o negro da cinza deixará um resto de ocre
na superfície dourada. Podes, então, levantar a cor
até à altura dos olhos, e compará-la com o azul autêntico.
Ambas as cores te parecerão semelhantes, sem que
possas distinguir entre uma e outra.
Assim o fiz – eu, Abraão bem Judá Ibn Haim,
iluminador de Loulé – e deixei a receita a quem quiser,
algum dia, imitar o céu.
Nuno Júdice]
O azul é mesmo de todas as cores.
EliminarObrigado luisa.