Lá fora o ruído da urbe, cá dentro a presença atabalhoada das opiniões desordenadas. Tudo me impele para o interior dessas palavras, onde sinto que estão alapadas maneiras de viver e de pensar. Como desencantar a resposta, indago a mim mesmo, aquilo que calaria o bico a estes pequenos pretensiosos que se julgam bem-sucedidos. Bem-sucedidos em quê? É caso para perguntar.
segunda-feira, 13 de novembro de 2017
segunda-feira, 6 de novembro de 2017
# Inteligência artificial
Ir ao encontro do mundo sem se ferir. Avançar nu, com uma pequena carapaça de ingenuidade moldada pela bruma, as palavras de uma língua que irão esburacar os ouvidos de uma outra língua. É disto que importa falar - não da ânsia de sucesso -, do tempo que passa, das erecções falhadas, voltar ao principio, ao agenciamento das coisas quando houve que erradicar as primeiras baforadas de infelicidade. O confronto com o outro, com a sua história, eis onde se aprende em situações extremas o nosso próprio valor e aquilo que, através dele, pode dar sentido à existência. O ser humano não se encontra a si mesmo senão com um outro ser, e jamais pelo simples saber estar lig@do ao mundo.
Nascemos engelhados, morreremos engelhados. Passar a vida armado em esperto e a tentar esquecer o axioma de base é uma burrice. Mas os tempos estão para @ssim.
sábado, 4 de novembro de 2017
Palomar
O Senhor Impontual tem sorte numa coisa: passa a maioria dos fins de semana num sítio onde pode plantar árvores. O Senhor Impontual gostaria de ficar a vida toda a ver as árvores medrar, e as árvores ali imóveis, caladas, mudas, surdas, cálidas e enchendo-se das cores da tarde uma e outra vez, até à brancura de um novo amanhecer, mas ainda não pode. O Senhor Impontual tem sorte ainda numa outra coisa: tem um pacto com o S. Pedro - portanto, tem quem lhe regue as árvores na sua ausência.
quinta-feira, 2 de novembro de 2017
Pina
Como quem, caído de outras galáxias fora de si, tomba aonde sempre esteve, encontrando tudo nos mesmos lugares: o passado dentro do passado, o presente no presente e o futuro sem futuro.
quarta-feira, 1 de novembro de 2017
Ainda sobre a desertificação do interior
Momentos antes de transpor a circular, enxergo pelo retrovisor uma fila de automóveis como que varridos pelo vento de altitude. Seguem lentamente para as pequenas localidades ao encontro dos cicios nos cemitérios, das genuflexões nas igrejas, dos odores e dos silêncios suspensos nas piras. Olho de novo o retrovisor e tenho à minha esquerda a via central livre. Desmarco-me. Não acuso o mundo desta espécie de cortejo da morte, deste culto aberrante da saudade e da tristeza a indiciar que os seus mortos possam gostar de exibições, ressequidas, de luto e dor. Os meus não gostam de certeza.
terça-feira, 31 de outubro de 2017
Desertificação do interior
É quando não fica ninguém capaz de escutar as palavras que exprimem os nossos desejos, as nossas esperanças, as nossas paixões? É isso?
domingo, 29 de outubro de 2017
Rückert
Acabo de despertar para este Domingo de cores douradas que me oferece mais uma hora... mas só me quero morto para os tumultos do mundo, repousar no silêncio e na música, abeirar-me do amor, perpetuar-me nesse paraíso que é a paragem espontânea do tempo.
terça-feira, 24 de outubro de 2017
Quitéria
Possuída pelos rancores intactos que acabaram por lhe roubar o sorriso, ostenta agora um olhar fugidio, um rosto fechado. À noite, muito ausente nos seus braços, ainda lhe vai fazendo a esmola do seu corpo, mas sem nada entregar de si própria. No leito, cheia de negligências apressadas, já não o arrasta para aquelas sessões que outrora os faziam arquear de volúpia. O amor físico atamancado, praticado com desdém, é a última ferida que lhe pode infligir, a sua maneira de o censurar por não ser mais homem. Sempre que ele se aplica a interromper aquele lento naufrágio, através de iniciativas funambulescas que satisfazem mais as suas prioridades que as dela, responde com dietas de silêncio, olhares ociosos que formam uma cortina. Patinha na proximidade longínqua, na recusa da lentidão, num atoleiro de egoísmos. Já não acredita nos seus beijos; murcha de decepção. Adúltera.
sábado, 21 de outubro de 2017
Palomar
O Senhor Impontual marcou presença esta tarde na praça do município e, de pé, misturado na concentração humana que se foi formando lentamente, observou a superfície. O Senhor Impontual tinha conhecimento do objecto do ajuntamento. No entanto, a fim de evitar sensações vagas, procedeu à busca daquilo que se encontrava por baixo da sua superfície, levando em linha de conta os aspectos que estiveram na sua génese assim como os aspectos mais complexos a que daria consequentemente ensejo. O Senhor Impontual já sabia que prestar atenção aos aspectos faz com que estes saltem para o primeiro plano, invadindo o quadro, como em certos cenários diante dos quais basta que se fechem os olhos e ao reabri-los a perspectiva já mudou. As coisas nem sempre são como são, mas a sua superfície é inexaurível.
quarta-feira, 18 de outubro de 2017
Doctiloquia
Era uma vez um país onde o povo estava perturbado pela tragédia, pela morte, pelo terror e os políticos perturbados pelo desejo por coisas, lugares e estatutos que não conseguiam alcançar e o resultado era o medo, a insegurança e a frustração. Não é assim?
Até que um dia o grande líder desenvolveu um medicamento que curava as pessoas do desapontamento e permitia que os homens, as mulheres e os políticos fossem felizes com o mundo que tinham.
Até que um dia o grande líder desenvolveu um medicamento que curava as pessoas do desapontamento e permitia que os homens, as mulheres e os políticos fossem felizes com o mundo que tinham.
sexta-feira, 13 de outubro de 2017
Sem foto pouco vale
Mas...hoje vi um pôr-de-sol maravilhoso. Foi na marginal de Moledo. Uma imensa bola de fogo tombando sobre o horizonte, ardendo lentamente até desaparecer lá nos confins do mar que era azul cobalto. Mais ao fundo, Sinatra interpretando majestosamente "Fly me to the moon".
Não sei se estão a ver?
quinta-feira, 12 de outubro de 2017
Trinta e um
Apesar de tudo ainda há quem se preste a tentar transformar, e isso é que é importante, um caso de corrupção e aldrabice numa coisa, se não extraordinária, pelo menos poética; que é o desempeno e consequente funcionamento definitivo e livre do sistema (judicial).
Esperai sentados.
Esperai sentados.
terça-feira, 10 de outubro de 2017
Na moleza da tarde: de Picasso a Pina, num ápice.
__O Acrobata - Pablo Picasso, 1930
Perde-se o corpo na inabitada casa das palavras,
nas suas caves, nos seus infindáveis corredores;
pudesse ele, o corpo, o que quer que o corpo seja,
na ausência das palavras calar-se.
__Manuel António Pina, Todas as palavras, Poesia reunida 1974-2011
segunda-feira, 9 de outubro de 2017
A insustentável leveza
Passaram-se alguns dias. Mais concretamente cinco dias. Sei-o pela proeminência de um ou outro pêlo que se manifesta mais branco na minha barba. Ando nas nuvens. Em geral, quando as pessoas dizem que andam nas nuvens, querem significar com isso que a felicidade as torna mais leves, mas para mim é o contrário, é a indiferença que me torna leve, como um farrapo de nevoeiro em vias de ser queimado pelo sol.
quinta-feira, 5 de outubro de 2017
República
Não há nada como vir ao pôr-do-sol, quando as aves regressam aos ninhos para dormir. É o som do mundo antes do homem existir.
quarta-feira, 4 de outubro de 2017
Demissão
Qualquer um chega ao ponto de querer lançar-se no vazio com um nó no estômago e uma generosa dose de má adrenalina cavalgando fugitiva pelas suas veias afora, mas como todos carecemos de instinto suicida apegamo-nos à segurança dos pés bem assentes na terra como último intento para determos essa ousadia. Acontece que, muitas vezes, precisamos de fazê-lo e sem pensar duas vezes, aproveitamos esses escassos segundos de valor e saltamos com tal ímpeto que chocamos contra o colchão, compartilhando-o com a nossa má sombra. Foi o que fez Passos Coelho - o obstinado.
terça-feira, 3 de outubro de 2017
Canícula
Quantas e quantas vezes a memória e a imaginação andam assim de mãos dadas. Quantas e quantas vezes competem entre si. A memória a apresentar-se real e sólida na medida do possível. A imaginação a bater as asas. A memória a inclinar-se para o conhecido, a imaginação a voar em direcção ao desconhecido. A memória a inspirar-me prazer e paz. A imaginação a fazer-me andar de um lado para o outro acabando por me enfraquecer.
Um dia, mais tarde, não precisa de ser já, ainda hei-de aprender a viver exclusivamente pela imaginação.
segunda-feira, 2 de outubro de 2017
Se o Outono fosse meu...*
Começaria por mover-me dentro dela. Seria diferente de tudo o que experimentara até então. Ela abrir-se-ia a um nível não físico que aumentava a intensidade da sensação física dos corpos a moverem-se em simultâneo. Eu estaria consciente de me encontrar dentro dela, mas era como uma experiência extra-corporal. Numa palavra: comunhão.
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