... mas do mesmo modo que a grande escritora e poetisa polaca Wisława Szymborska -- em referencia à "Leiteira" de Johannes Vermeer -- dizia que enquanto aquela mulher do Rijksmuseum, em quietude pintada e concentração, dia após dia, não verter o leite do jarro para a vasilha, o Mundo não merece o fim do mundo, eu digo o mesmo do nascer do sol que presenciei esta madrugada: enquanto uma luz destas iluminar o universo, os dias não merecem o fim dos dias, os homens não merecem o fim dos homens.
quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019
terça-feira, 12 de fevereiro de 2019
A(Chega)
O que verdadeiramente preocupa neles é a capacidade de tentar persuadir as pessoas a serem honestas consigo mesmas, fazendo-lhes ver que quando isso acontece elas obtêm a vantagem da surpresa. Uma vantagem táctica incomparável em qualquer insurreição. Porque são as mentiras que contamos a nós mesmos que nos tornam repetitivos, previsíveis e inconsequentes. É perigoso.
segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019
quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019
Do verbo acossar
segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019
Pintar Fevereiro
Vem posar de dois em dois meses. Sempre no inicio do mês, sempre no inicio do dia, sempre a uma segunda-feira. Estamos em Fevereiro. Avançou sozinha, com os braços um pouco afastados do corpo, à espera. Não pelo seu parceiro, que estava a olhar para ela, absorto. Não pelo acordeonista, que ainda não tinha começado a tocar. Não de que outro casal se juntasse à dança. Ela estava à espera de ser arrebatada pelas forças dentro dela. Ela estava à espera de que essas forças viessem à tona. Calmamente, com os tacões ligeiramente no ar, o rosto aberto, as palmas das mãos viradas para cima, como que a ver se estava a chover. Quando sentisse o primeiro pingo, ela ia mexer-se.
Os pingos vieram! Rodou duas vezes sobre si, fazendo mais de vinte passos, e o seu parceiro, com as mãos esborratadas de tinta, juntou-se a ela.
Ela era indelével como o tom do corante. No entanto não era ela que tinha aquela cor, era o seu desejo - uma massa emaranhada de cores em todo o seu esplendor. Como se tivesse sido pintada ontem. Corante, magenta, laranja, vermelho-romã, escarlate, limão, verde-pistácio. Alvitrei, num sfumato fora do meu alcance, esbater a graduação, suavizar a transição de luz. Mas não. Quedei-me pela aplicação uniforme e levíssima da resina de Damar. Todas as cores acabarão por desbotar, mas por agora estão esplendorosas.
quinta-feira, 31 de janeiro de 2019
Lei de base
A abertura de espírito e da natureza - essas palavras tão gastas - de Marcelo Rebelo de Sousa são tais que me sinto completamente à vontade para, com todas as letras, o mandar lavar o rabo com água de malvas.
quarta-feira, 30 de janeiro de 2019
terça-feira, 29 de janeiro de 2019
Megadiversidade
Lá está, os pobres são colectivamente inabarcáveis. Eles não são apenas a maioria do planeta, eles estão por toda a parte e o mais pequeno dos eventos diz-lhes sempre respeito de alguma maneira. Consequentemente, a actividade dos ricos é a construção de muros - muros de betão, vigilância electrónica, barreiras, fronteiras armadas, informações erradas aos media e por último o muro do dinheiro para separar a especulação financeira da produtividade, do sacrifício.
sexta-feira, 25 de janeiro de 2019
Pudicícia
Na prateleira dos velhos encontrei um livro sobre arquitectura de interiores. Estava entre volumes há muito abandonados. Devo tê-lo enfiado ali para tapar o vento norte. Tirei-o de lá agora, porque fui à procura de um outro volume que subitamente precisei. Está em francês e pertence à colecção "Que sais-je". O nome da colecção fez-me sorrir. Nós sabemos tudo o que precisamos saber, mas isso muitas vezes não se põe por palavras. Aquilo que nós não sabemos e nunca vamos saber é o que vai acontecer a seguir.
Ao pegar no livro ele caiu-me ao chão e ficou aberto numa página em branco com um desenho vectorial de uma cama. Por baixo do desenho a legendagem de componentes com letra minha. E subitamente percebo que estou a olhar para um poema de amor! Moteur de increment et excitatrice --> generatrice --> valve de combustion --> turbine.
Um poema de amor! É isto que o recato prolongado faz à imaginação.
quarta-feira, 23 de janeiro de 2019
Alienígenas
Há uma diferença muito grande entre esperança e espera. De princípio toda a gente acredita que é uma questão de duração, que a esperança é esperar qualquer coisa futura. Estão enganados. A espera pertence ao corpo, enquanto a esperança pertence à alma. A diferença é essa. Elas conversam e consolam-se uma à outra, mas o sonho de cada uma é bem distinto.
terça-feira, 22 de janeiro de 2019
Termómetro
Esta mulher é formosa
como uma flor da montanha,
mas é fria, fria, e é fria
como a margem de neve
onde fria floresce.
_Herberto Helder, Bebedor Nocturno
Alfabetização
Há umas décadas atrás não era grave que as pessoas não soubessem ler ou mesmo escrever porque as pessoas discutiam tudo o que importava, mas hoje muita coisa acontece em silêncio e é preciso que sejam capazes de ler para saberem o que o mundo e as suas pessoas estão a decidir. E é óbvio que o mundo está a decidir que as pessoas estão loucas e obsoletas!
segunda-feira, 21 de janeiro de 2019
domingo, 20 de janeiro de 2019
Calendário lunar
quarta-feira, 16 de janeiro de 2019
Gafe
O efémero não é o oposto do eterno. O oposto do eterno é o esquecido. Alguns alegam que o esquecido e o eterno são, lá bem no fundo, a mesma coisa. Mas estão enganados.
segunda-feira, 14 de janeiro de 2019
Montenegro
Desapontado com a sua própria carne e com os da sua carne, para onde é que um homem desiludido se pode ainda voltar para se fortalecer a si próprio senão para o poder, ou pelo menos aproximar-se do poder? Todos sabemos que o poder e o desejo ligam bem um com o outro, sem esforço.
quinta-feira, 10 de janeiro de 2019
Indigetes
AZ1732 - Seat 24A e B
segunda-feira, 7 de janeiro de 2019
quarta-feira, 2 de janeiro de 2019
Anjos da guarda
Estes homens e estas mulheres, mensageiros de outros homens e de outras mulheres, falam e comunicam, nomeiam as estrelas e as figuras do céu, dizem aos outros homens e às outras mulheres, amamos-vos e ensinar-vos-emos a viver ensinando-vos como curar as maleitas, escutando e transcrevendo o que dizem os vossos gritos e as vossas falas. Ensinar-vos-emos a tornar-vos amigos do mundo para não serdes estrangeiros nele, a sonhá-lo, a sulcá-lo, a usá-lo. Estes homens e estas mulheres derramam a palavra, como um pólen abandonado ao vento, para transmitirem as histórias apreendidas com o refluxo do mar e com o fluxo da névoa, as histórias e lendas do mundo e da vida quando a noite distribui por cada um a sua solidão, o medo e o susto, e redobra o sentimento que todos conhecem - a inquietude.
Estes homens e estas mulheres são uns anjos. Uns anjos da guarda. Com o consentimento dos céus.
Subscrever:
Mensagens (Atom)