quarta-feira, 18 de maio de 2022

Perguntar não ofende

Esta semana há greve da Função Publica. Será sexta-feira?

Tantos países a legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Mas... ninguém resolve o problema do sexo entre pessoas do mesmo casamento?

Há serviços públicos, como por exemplo as Conservatórias, que não atendem o telefone há dois anos por causa da pandemia. Será um problema endémico?

Em que planeta fica o «mundo livre« que a NATO defende?

Como é que se ressuscita uma tangerineira moribunda ?

Marcelo, o presidente, disse que «Portugal é um beneficiário liquido da situação de guerra». Isto diz-se?

Sabem o significado da palavra «abesbílico»?

Segundo um estudo publicado no jornal Publico, quatro em cada cinco jovens gays ocultam a orientação sexual aos professores. Mas porque é que os jovens deveriam revelar a sua orientação sexual aos professores?

E no festival de Cannes? Há algum filme ucraniano?

É este mês que se paga o IMI, não é?

Já leram o artigo do MEC de hoje no Publico?

Varíola dos macacos?


Porque é que isto nos está a acontecer?

terça-feira, 17 de maio de 2022

Metadados

É certo que se tem vontade, necessidade, que o mundo seja branco ou negro, que os homens sejam inocentes ou culpados, santos ou escumalha. É uma cisão que dá segurança. Cada um tem o seu modo de vida, tem o seu papel. O cinzento, isso é que não é assunto nosso. O intermédio não se sabe bem onde se encontra. As fronteiras devem estar claramente estabelecidas, desenhadas. Consoante o lado onde cada um se encontra, assim se é capaz de dizer a que campo se pertence. Tem-se necessidade de coisas límpidas, e legíveis, e duras. No entanto, a mim, acontece-me acreditar que a realidade é mais contrastada. Aprendi que a luz e a sombra são indissociáveis. Aprendi que é preciso fazer escolhas na base da tridimensionalidade. Na sombra própria e na projectada. Apreendi a puxar-me as orelhas. 

segunda-feira, 2 de maio de 2022

De Dostoiévski a Shevchenko, num ápice

Está uma tarde maravilhosa, uma dessas tardes que apenas são possíveis quando somos crianças. O céu está tão cheio de azul, tão luminoso, parece pintado de fresco, que quem erguer os olhos para ele vê-se forçado a perguntar a si mesmo: será possível que sob um céu assim possam viver homens maus e caprichosos? A própria pergunta é infantil, muito infantil, mas oxalá ao amigo leitor, lha possa inspirar muitas vezes!

Entretanto, há um tempo na Ucrânia onde armas roncam. Há um tempo naqueles terras suavemente onduladas onde jazem, enterrados, corpos cossacos com a cabeça quebrada.
Mais uma vez o sangue das pessoas.
Está a jorrar...

terça-feira, 26 de abril de 2022

À espera do sol


 Andrei Tarkovski _ "Nostalgia",1983

domingo, 24 de abril de 2022

Vejam bem

Que hoje, importa mais do que nunca - e isto não é uma constatação grandiosa - comemorar, com virtuosismo, a memória e a fidelidade, a resistência e a música como alternativas à mentira e à escuridão, percebendo-se que a liberdade nunca será o paraíso perdido em que, por vezes, neste tempo novo, nos querem fazer acreditar.

sábado, 23 de abril de 2022

Frontispício

Mais de dois anos passaram pelas pessoas. Hoje caíram as máscaras. As pessoas estão mais bonitas, mas os seus rostos reencontram-se sempre num vinco eterno. Os dias, as agruras, a fadiga, o encarceramento porventura, atenuaram-no, mas o essencial está intacto. O rosto não é coisa que mude verdadeiramente. Há traços que as pessoas não perdem, que trazem consigo toda a vida, apesar do amadurecimento, apesar da deformidade, apesar das provações. Pode ser a doçura. Ou a infância. Ou a desgraça. Ou a culpa a perfurar o pensamento. Ou o áspero sorriso em silêncio. Mas está lá. Sempre. Para sempre.  

quarta-feira, 13 de abril de 2022

Alguém sabe ler o céu?

O Senhor Impontual está aqui sentado, num amorfo dia de Abril, a tomar uma cerveja de mar ao fundo. Tudo em seu redor se encontra em permanente mudança; o sol alterna entre projectar sombras profundas e em varre-las de seguida para outro lugar. A lua, desfocada, já está ali de guarda, pendente acima da linha do horizonte, como um sopro de ar suspenso criando um ambiente crepuscular interminável a fazer acreditar na elasticidade do tempo. As horas a espalharem-se diante do Senhor Impontual, e o amanhã a tornar-se tão vago que deve estar mesmo muito longe. Entretanto, o relógio repicou, a tarde retraiu-se e fez ricochete, pairou uma luz acinzentada e soprou uma aragem fresca que se dissolveu na escuridão. 

Alguém sabe ler o céu?

quinta-feira, 31 de março de 2022

Síndrome de deficiência androgénica

Chegado a este ponto, sinto agora não só a febre de devorar aquela mulher, aquela fome indescritível que por vezes sentem os homens inconclusos, mas também a de ouvir, inteirar-me das lavas internas, daquilo que assoma para fundar uma pessoa, ir de uma alma a outra, partilhar o dom da oferenda reciproca da fala, da escuta e... da absolvição. 

terça-feira, 29 de março de 2022

segunda-feira, 28 de março de 2022

Armamento

O Senhor Impontual não entende que com o tempo, ou melhor, com o passar do tempo, as pessoas, zangadas e frustradas que estão, e têm boas razões para isso, não compreendam que quando nos encontramos no terreiro comum, que é o lado de fora da vida, não é mau que nos guie a ilusão - essa arma superior.

segunda-feira, 21 de março de 2022

Equinócio

Espero que ainda te recordes de como, sob as minhas caricias, o teu corpo se enchia de botões viçosos como antes de florirem. Como gostei de colher as tuas flores, deixando-me embriagar com os aromas que elas exalavam. Alimentava-me do teu suco, mas acabaste por deixar-me em troca da salvação da tua alma. Mas que traição, mas que traição! Não, eu não creio num Criador que exige estes sacrifícios humanos. Não creio num Criador que destrói a vida de um homem para salvar a alma de uma estação. Espero que ainda te recordes. Vem, vem. Preciso de ti.

Díptico


sábado, 19 de março de 2022

A Oeste, o preço do petróleo

Ameaça agora o mundo uma época implacável. Forjamo-la nós, todos, que já somos sua vitima. Que importa que a Rússia seja o martelo e a Ucrânia a bigorna? O importante é que reine a resistência, não a servil rendição do desamparado. Se a vitória, a justiça e a felicidade não forem para a Ucrânia, que seja para outras nações. Que o céu exista, mesmo que o nosso lugar seja irremediavelmente o inferno. 

segunda-feira, 7 de março de 2022

A guerra é uma emoção desgraçada

Bem; basta de desgraça por esta noite. Que triste ocupação esta a de assistir pela televisão a tais coisas! A guerra é uma emoção desgraçada. No entanto, ir acompanhando, parece que me restitui alguma tranquilidade à consciência. A desgraça é, sem dúvida, uma lei sagrada; basta fazer a mais ligeira aplicação dessa lei para experimentar alguma serenidade - temos sorte, não é connosco, estamos vivos. O homem, embora não goste da desgraça, não pode, contudo, desprezar os seus infalíveis desígnios; aproveita-se dela todos os dias; no entanto, olha-a sempre com a mesma repugnância. Parece-me que há nisto uma contradição singular e misteriosa, como se sentíssemos na desgraça, ao mesmo tempo, o castigo e o sinal divino e paternal do juiz.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

A Oeste nada de novo

Quase tão estupido como a própria guerra em si, é o resto do mundo começar a convencer-se que a Ucrânia pode resistir aos russos e que assim sendo não é preciso fazer nada, evitando-se desse modo a sempre chata quezília com o tresloucado papão russo. Que, como bem se sabe, toma Kiev quando quiser e como quiser. 

sábado, 26 de fevereiro de 2022

Palomar

O Senhor Impontual saiu esta manhã bem cedo em direcção ao mar. Perscrutar o horizonte marinho é um dos passatempos preferidos do Senhor Impontual. Só se lhe compara um outro passatempo que o Senhor Impontual teve em tempos que era, em noites de constelação, tentar acasalar as estrelas. Às vezes dá a sensação de que a lascívia é uma espécie de veneno que corroí a vida. Contudo, a partir do momento em que se compreende que essa mesma vida, pela sua natureza, não dura para sempre e não pode esperar, o veneno passa de uma tentação perigosa à promessa do renascer. Porque não, pois, erguer o copo e brindar? Eis o pensamento pérfido do Senhor Impontual para este Sábado em que o sol veio embrulhado num manto plúmbeo.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Humor Tétrico

Depois de dois anos consecutivos passados no desconforto do entreportas a contemplar com o olhar triste o vazio do mundo, escutando estupidamente os murmúrios e os ruídos monótonos da rua e sentindo-me mais só no meio de um universo parado, mais abandonado e mais perto do desespero que o naufrago que tirita de frio em pleno oceano sobre a frágil tábua a que se agarrou, ainda havia Putin!

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Da Rússia

"Toda a manhã de hoje li jornais. Na Espanha estão acontecendo coisas estranhas. Nem consegui analisa-las bem. Escreve-se que o trono está vago e os graúdos se encontram em grande embaraço quanto à eleição de um sucessor; daí provem grande indignação. Acho extremamente esquisito. Como pode um trono estar vago?

O dia de hoje é um dia de grande triunfo! A Espanha já tem rei. Encontraram-no. Esse rei sou eu. Foi só hoje que eu descobri isso. Confesso, foi como se de repente um raio me tivesse iluminado. Não entendo como pude pensar e imaginar que sou um conselheiro titular. Como foi que esse pensamento louco pode entrar na minha cabeça? Que bom que na época ninguém pensou em me colocar no hospício."

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

Devaneio Excessivo Mal Adaptado

Quantas e quantas vezes a memória e a imaginação andam de mãos dadas. Quantas e quantas vezes competem entre si. A memória a apresentar-se real e sólida na medida do possível. A imaginação a bater as asas. A memória a inclinar-se para o conhecido, a imaginação a voar em direcção ao desconhecido. A memória a inspirar-me prazer e paz. A imaginação a fazer-me andar de um lado para o outro acabando por me enfraquecer.
Um dia, mais tarde, não precisa de ser já, ainda hei-de aprender a viver exclusivamente pela memória.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

O Homem

Nunca se soube, ou se soube ninguém o disse, o que foi feito do Homem. Alguns supõem que conseguiu confundir-se com a multidão que saiu para as ruas no dia seguinte, como se nada de grave tivesse acontecido na noite anterior. Durante um tempo relativamente breve especulou-se de que ainda estivesse entre nós, escondido nalgum recanto do Universo, mas em breve a cidade retomou o seu pulso normal e enormes cartazes publicitários cobriram as ruas para promover as novidades de Primavera. O Jardim Zoológico abriu as suas portas ao som da banda filarmónica; outros animais raros, raríssimos, foram expostos nas jaulas vagas. Também as prisões voltaram a encher-se. Mendigos e vagabundos encontraram refugio por baixo dos arcos das pontes e envolveram-se à pancada com os zombis e os loucos que de noite pretenderam invadir-lhes a propriedade. Dos espigões do cais, os barcos de cruzeiro partiram em busca de novas aventuras. Dezenas de banhistas gozaram o sol nas areias das praias. E as fabulas, as fábulas de sempre, voltaram a ser contadas - mas o homem, mais uma vez, esqueceu-se do homem.