Por isso às vezes deixo-me a remoer, mas a minha questão é: não foi este mesmo mundo que alegou que ampliar e difundir massivamente a fotografia de uma criança refugiada morta na praia era a estaca zero da condição humana e que abaixo daquilo já não havia mais nada, que agora aplaude de pé a fotografia vencedora do World Press Photo deste ano, onde o corpo de um embaixador russo jaz aos pés do terrorista que acabara de o assassinar barbaramente à queima roupa enquanto este discursava em directo para as televisões? Até o erro de casting parece ser o mesmo: um dever para despertar a consciência social.
Concordo consigo Impontual.
ResponderEliminarBoa noite
já tentei escrever um comentário minimamente interessante, não consigo. vou apenas dizer o essencial: concordo.
ResponderEliminarImpontual, mas o objectivo não é premiar a boa fotografia, incluindo o que ela tem de singular e o que ela reflecte da preocupação de um fotógrafo em iluminar uma realidade?
ResponderEliminarA fotografia como outra arte não tem de ter como preocupação primeira uma função social. É a estética que comanda e esta também se apanha no lado negro da vida.
Julgo que o que se está a fazer com esta foto não tem a ver com o que se fez com a da criança.
Porém, no que diz respeito ao trabalho fotográfico, esta não me enche as medidas, enquanto a da criança sim.
A imagem de um assassinato, com o assassino e o morto, ambos na mesma fotografia tenho muitas dúvidas que seja algo estético embora concorde que advém do lado negro da vida que, efectivamente, não tem de ser escondido. Mas colocar uma imagem destas no pedestal mais alto da fotografia é tão problemático como passar imagens de um terrorista (de cara descoberta) a decapitar uma vítima. Além do tónico de motivação aos fanáticos destes palcos.
EliminarPelo lado técnico não consigo ver mais nada que não o boneco que decorre do momento - de estar lá. Mas não gostaria de dissertar muito sobre coisas das quais pouco ou nada sei.
Impontual, relativamente à divulgação ampla de fotos que mostram pessoas em situações de imensa fragilidade costumo, primeiro, interrogar-me se as mesmas, ou quem responde ou é responsável por elas, foi ouvido nesse sentido. É certo que se trata de situações públicas, mas de qualquer forma a privacidade é exposta. Em menor "escala", comparo com as situações há poucos anos consideradas como crimes públicos (violência doméstica, por exemplo), mas que têm muitos contornos íntimos que as vítimas têm dificuldade em resguardar.
EliminarSalvaguardo esse aspecto de acautelar a privacidade, pergunto se a difusão feita está bem contextualizada ou se se trata de violência pela violência.
Caso as imagens estejam contextualizadas e que não hajam interesses paralelos que colidam com o exposto, qualquer que seja a situação, entendo que deve ser mostrada. Se existe, que vejamos bem. Ou preferimos saber que existe, mas ok, impressionar-me mais é que não, que para isso já chegam os meus problemas? Ou então, até podem escrever a tinta que as vísceras rolaram pelo chão, que o sangue pintou a parede toda... mas cá fotos é que não.
E cá temos um "dilema" relativamente ao qual, como sabes, sou bastante sensível porque já o tenho dito.
O problema é a imagem, a foto, o filme... não propriamente o detalhe com que a situação é exposta, será?
Admito ser menos sensível do que a norma ao chamado poder ou impacto da imagem. Neste aspecto, para mim a palavra e a imagem andam taco-a-taco e, não raro, sensibilizo-me mais com o escorrer de determinados textos do que com imagens.
Este até é um lado que já me deu muito que pensar e alguns aborrecimentos que não deviam ter lugar.
Não consigo identificar-me com o que dizes na segunda frase. Creio tratar-se com uma mistura de objectivos que nada têm que ver um com o outro. Uma foto vencedora de um prémio destes não tem que ter a ver com essas problematizações e o tónico de motivação é algo de rebuscado.
(Atenção: até nem gosto muito dessa foto, como já tinha dito.)
Em suma, defendo que se o lado negro existe é para ser mostrado (com regras, como disse), e quando se trata de um exercício estético que, se possível, se ilumine esse negrume. E isto não é branquear a realidade.
A esta propósito é impossível não recordar o que o fotógrafo e arquitecto Cristiano Mascaro disse a propósito de fotografar a pobreza.
"Eu nunca estive interessado pela fotografia que denunciasse a pobreza, nem pela admiração à pobreza - essa é a tarefa dos repórteres fotográficos. Se eu fotografo a pobreza, é como se fosse uma evidência, um traço do modo de viver das pessoas em um lugar e tempo específicos. Eu não estou informando sobre um problema social. A fotografia no Brasil se foca em dois extremos – a estetização da pobreza e a exploração das tragédias, e isso é abordado pela fotografia jornalística, ou fotografia da natureza, da beleza da floresta amazônica, das suas floras e faunas exóticas. E entre esses extremos há o espaço da vida cotidiana, que eu procuro me focar. Iluminar essa realidade, fazê-la mais estética, elevá-la ao nível da arte."
Completo aqui: http://culture.pl/pt/article/rastreando-cidades-entrevista-com-cristiano-mascaro
Desculpa se nalgum ponto fui agressiva na forma como me expressei. Por escrito, e ainda para mais temas delicados, por vezes é mais difícil acertar com o tom.
Bom dia, Impontual!
Isabel, vou tentar ser assertivo em poucas palavras. Não é fácil.
EliminarA fotografia premiada produz um efeito perverso, aproxima-nos do inestimável remetendo-nos para um modo de apresentação de uma realidade já antes difundida - dado que aquilo aconteceu basicamente em directo para o mundo. Logo, por isso, quanto a mim, não é um grande boneco. Não tem o efeito abstracto nem do momento nem dos intervenientes. Depois é o repisar e a difusão massiva de um flash só por isso capaz de instigar os fanáticos deste tipo de palco.
(não foi nada agressiva. Gosto sempre da sua mais que assertiva opinião. É um enorme prazer expor ideias, quer seja na sequÊncia dimanada das premissas ou no contraditório)
Um abraço
mais um ato perpetuado por um clic. não merecia de facto, o prémio na categoria em que o colocaram. Stuart Franklin, presidente do júri da 60.ª edição do World Press Photo, não votou a favor da categoria em que o prémio foi atribuído, está coberto de razão. repete-se o que aconteceu a 1 de fevereiro de 1968, o chefe de polícia sul vietnamita Nguyễn Ngọc Loan executa um membro vietcong , Nguyen Van Lem. mereceu pódium.
ResponderEliminareu também não sei teorizar sobre o que não entendo, apenas sobre o impacto que me causa.
bom dia, Impontual,
Mia
Eu revoltei-me bastante, na altura, com a fotografia da criança morta na praia, aquilo afligiu-me e de que maneira. Enquanto uns defendiam que era necessário mostrar imagens daquelas para despertar consciências, eu pensava que raio de mundo este em que é preciso explorar fotografias cruéis só com a intenção de acordar as pessoas para o mundo à sua volta. Para o que está a acontecer no mundo todo ele à nossa volta e, penso eu, também dentro de nós.
ResponderEliminarCom esta foto do embaixador morto no chão e um terrorista que, passa a sensação, parece estar a comemorar a morte de um ser humano, passa a sensação de grito de vitória com aquele braço esticado no ar, passa a sensação de que o lado negro da vida está ascensão e o lado saudável da vida está em declínio, diria que premiar uma foto destas diz muito de quem premeia. A mim, pelo menos, diz-me que a insensibilidade também está em franco crescimento.
Bom sábado, Impontual.
Talvez o desconforto, a revolta até, que sentimos perante a mediatização destas imagens (e neste caso com o prémio) resulte do confronto que elas nos impõem com o absurdo e a crua realidade do mundo em que vivemos.
ResponderEliminarNunca fui a favor de dar tempo de antena a assassinos ou a outros que pouco ou nada fazem pela Paz e pelo Mundo em geral. O mal deve ser na realidade mostrado, mas demonstrado que deve ser rejeitado !
ResponderEliminarconcordo consigo, Impontual, absolutamente.
ResponderEliminarquando foi publicada a fotografia do rapazinho na praia foi o início de qualquer coisa que ainda não sei que lhe chame mas que abriu derradeiramente a porta de qualquer coisa que o mundo ainda não tinha visto. e depois disso qualquer coisa, qualquer imagem, passou a ser possível...
Convém termos presente que o WPP premeia fotografia jornalística. Nesta perspetiva é uma excelente fotografia.
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