quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Nada

Entrou e sentou-se ao balcão. Encomendou um Bourbon com 15 anos de idade. O que espera naquele bar sem nome? Cheiro, algo de desconhecido, uma vontade infinita de estranho. O seu desejo da manhã não a deixou. Pelo contrário. Todo o dia a lancinante injunção instilou-lhe urros na pele, os lábios corolas do sexo molharam-se repetidas vezes por um clarão, uma imagem rememorada, monstro enroscado no seu corpo que reclama e exige. Cada veia, cada artéria soletra: fruição, prazer, caricia, pele, vai-e-vem...o sexo que hesita, joga, aflora o clitóris antes de penetrar. Ela pensa penetrar e olha em redor: castiçais, garrafas, copos esguios, o que pode brincar à entrada de um corpo? O ideal, um homem invisível que roçasse e se aproximasse sem ela saber e depois arregaçasse os tecidos e as rendas, tomasse, rasgasse, um homem sem rosto, mudo... e que se sumisse. Acto continuo. Incógnito. Uma sombra.
Pagou a conta e foi-se embora. Avançou sóbria de presente, ancas a ondular sobre o único palco onde se joga o bailado de uma vida. Frágil entre frágeis. 
Na rua, um frio seco, o acaso dos transeuntes.  É tão bom não ter caminho*.

(*perdoar-me-à, certamente, a inspiração insipiente.)

4 comentários:

  1. Depois admire-se que as leitoras se fiquem pela foto de capa. Depois admire-se Sr. Impontual.

    Que bela prosa - de tão leviana! :)))

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  2. Nada há de leviano naquilo que julgo ter lido, NUT.
    Há, sim, um (ou mais um, outro) princípio.
    Concordo inteiramente com ambos: a musa e seu escriba circunstancial: bom, que bom, não ter caminho, antes fazê-lo, contorná-lo, voar sobre ele, desfazê-lo, voltar a ele, seja qual for a forma. E o caminho :)

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