segunda-feira, 29 de março de 2021

Minuete

Os seus passos demorados não têm nada de cansaço ou de confuso, pelo contrário: toda a aparição está desperta, ali, onde desliza pelo passeio. Aquela é a sua forma de se mover e percebe-se claramente que não se envergonha disso. Essa lentidão é mais provocante que um decote ousado ou uma saia justa um palmo acima do joelho. Tudo é tão intimo, como se estivéssemos a vislumbrar a sua alma. A lentidão torna-a mais nua que a própira nudez alguma vez teria conseguido. Por detrás dela pressente-se uma coragem do tipo mais despretencioso e profundo. Inventou uma forma totalmente nova de se mover, um equilibrio nunca antes visto, uma coreografia do principio do mundo. Não caminha sobre o chão, acaricia-o. É como se toda a sua vida fosse um minuete demorado e ela se movesse ao som de uma música que nunca se extingue e que mais ninguém ouve. 

3 comentários:

  1. Tão belo, o que acabo de ler, como a fonte de onde bebeste, Man With a Chair!
    :)

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  2. Não será um mau espectáculo assistir a tal lentidão deslizante. E é inédito, pelo menos eu, nunca tal observei, exceptuando nos caracóis onde não tem qualquer graça.

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  3. Mas onde pára essa musa de sensitivos vagares e alma nua, que nunca a encontrei no caminho. Precisava de umas lições de bem andar que levo o tempo a cair no real do realmente. Ora esta.
    Boa Páscoa, senhor Impontual.

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