Custava-lhe muito fazer aquilo. Sabia que estava a deixar tudo para trás. A mãe, Tecas - o gato maltês, a carreira que nunca lhe agradara, tudo o que fora a sua vida até aí. Mas aquilo não foi verdadeiramente a sua vida. Conseguia agora perceber que nunca passara de um reflexo das vidas de outras pessoas.
Apesar de tudo, já sentia saudades da mãe. Sempre irá sentir a falta dela, a força da sua persuasão. Fica a imaginar quanto tempo irá demorar a perceber que se fora embora. Do lado de fora da janela, Lisboa passa a correr. O ar está límpido e frio e os aspersores assobiam junto aos passeios. O autocarro segue com velocidade, uma sombra esguia que passa por entre as luzes da cidade e algures, no meio da escuridão parece capaz de dizer qual o momento exacto em que a mãe aceita a sua partida. Suspira e esconde o rosto nas mãos, sem dizer uma palavra. Nesse momento sente a tensão abrandar, subitamente. As outras pessoas que vão no autocarro não notam nada, mas durante este tempo todo, tem estado cada vez mais leve e mais vazia, até que agora, por fim, começara a sentir-se a emergir. Era apenas uma rapariga que vai passar pelo resto da vida como o vento.