domingo, 20 de janeiro de 2019
Calendário lunar
quarta-feira, 16 de janeiro de 2019
Gafe
O efémero não é o oposto do eterno. O oposto do eterno é o esquecido. Alguns alegam que o esquecido e o eterno são, lá bem no fundo, a mesma coisa. Mas estão enganados.
segunda-feira, 14 de janeiro de 2019
Montenegro
Desapontado com a sua própria carne e com os da sua carne, para onde é que um homem desiludido se pode ainda voltar para se fortalecer a si próprio senão para o poder, ou pelo menos aproximar-se do poder? Todos sabemos que o poder e o desejo ligam bem um com o outro, sem esforço.
quinta-feira, 10 de janeiro de 2019
Indigetes
AZ1732 - Seat 24A e B
segunda-feira, 7 de janeiro de 2019
quarta-feira, 2 de janeiro de 2019
Anjos da guarda
Estes homens e estas mulheres, mensageiros de outros homens e de outras mulheres, falam e comunicam, nomeiam as estrelas e as figuras do céu, dizem aos outros homens e às outras mulheres, amamos-vos e ensinar-vos-emos a viver ensinando-vos como curar as maleitas, escutando e transcrevendo o que dizem os vossos gritos e as vossas falas. Ensinar-vos-emos a tornar-vos amigos do mundo para não serdes estrangeiros nele, a sonhá-lo, a sulcá-lo, a usá-lo. Estes homens e estas mulheres derramam a palavra, como um pólen abandonado ao vento, para transmitirem as histórias apreendidas com o refluxo do mar e com o fluxo da névoa, as histórias e lendas do mundo e da vida quando a noite distribui por cada um a sua solidão, o medo e o susto, e redobra o sentimento que todos conhecem - a inquietude.
Estes homens e estas mulheres são uns anjos. Uns anjos da guarda. Com o consentimento dos céus.
Resolução de ano novo
Deixar as portas escancaradas.
Pois nem todos perceberam que, quando fechadas, era uma questão de bater mais forte, chamar mais alto.
Pois nem todos perceberam que, quando fechadas, era uma questão de bater mais forte, chamar mais alto.
sábado, 29 de dezembro de 2018
Balanço do ano civil
Todas as manhãs, na altura em que acordava, o sono pesava fortemente sobre si, quase como uma força física a prende-lo à cama, mas teve de libertar-se dele como de um atacante, e arrastar-se até à casa de banho. A feiura dos dias manifestou-se repetidamente através das janelas, uma fealdade opressiva, a exigir de si uma espécie de resignação, e a deixá-lo com uma vaga sensação de culpa.
Às vezes era sábado.
quinta-feira, 27 de dezembro de 2018
Balanço do ano religioso
Queixou-se todas as noites e sabe Deus que tinha bastantes razões para isso. Nas suas lamentações nocturnas todos os infortúnios se tornaram iguais, por isso conseguiu entrelaçá-los a todos como fios da mesma oração contínua, a pedir a Deus que lhe perdoasse e que tivesse misericórdia, amén.
quarta-feira, 19 de dezembro de 2018
Epicurismo
terça-feira, 18 de dezembro de 2018
Palomar
O Senhor Impontual recebeu esta manhã, na volta do correio, um cartão de Natal manuscrito com letra de traço espesso e adornada à direita, e está agora a lê-lo encostado ao parapeito da varanda do seu local de trabalho, de onde vai observando os terraços apinhados com os seus inúmeros vasos para as plantas, pires para gatos, cordas de roupa, antenas de televisão por satélite, algumas cadeiras encostadas e uma série de chaminés já a fumegar. Os cabos eléctricos e telefónicos estendem-se por todas as direcções. No fim da rua, os automóveis param e arrancam nos semáforos a um ritmo alucinante. Na praça central do bairro de fronte, dois catraios correm numa perseguição sem tréguas atrás um do outro. O Senhor Impontual dá por si a recordar a mestria com que ele com a sua bicicleta subia três lanços de escadas e sorri ao pensar o quanto chorava a bola quando chegava aos seus pés.
Os amigos feitos na orla do tempo são diferentes dos outros. Fazem gracejos. Tiram uma história velha da algibeira, dão-lhe uma trinca e oferecem-na aos outros - como uma maçã verde. Aparecem de maneiras diferentes. Mesmo que tenham viajado milhas e milhas, aparecem sem se anunciarem e sem nenhuma explicação. E têm a certeza de que são bem-vindos.Têm a sua maneira própria de decidirem quando se devem referir a qualquer coisa séria. Sempre num momento inesperado - ao entrarem para o carro, com o banco puxado para a frente, ou quando estão a dar a última tacada numa partida de snooker. E são muito meticulosos com os sinais. Com os olhos, rabiscam a mensagem essencial.
O Senhor Impontual ao ler este cartão de Natal sentiu toda a oxitocina da elasticidade do tempo e teve vontade de se meter ao caminho, mas o Senhor Impontual está tão farto de aviões e aeroportos...
Os amigos feitos na orla do tempo são diferentes dos outros. Fazem gracejos. Tiram uma história velha da algibeira, dão-lhe uma trinca e oferecem-na aos outros - como uma maçã verde. Aparecem de maneiras diferentes. Mesmo que tenham viajado milhas e milhas, aparecem sem se anunciarem e sem nenhuma explicação. E têm a certeza de que são bem-vindos.Têm a sua maneira própria de decidirem quando se devem referir a qualquer coisa séria. Sempre num momento inesperado - ao entrarem para o carro, com o banco puxado para a frente, ou quando estão a dar a última tacada numa partida de snooker. E são muito meticulosos com os sinais. Com os olhos, rabiscam a mensagem essencial.
O Senhor Impontual ao ler este cartão de Natal sentiu toda a oxitocina da elasticidade do tempo e teve vontade de se meter ao caminho, mas o Senhor Impontual está tão farto de aviões e aeroportos...
segunda-feira, 17 de dezembro de 2018
Camilo
O mês é Dezembro, a pouco mais de uma semana do Natal.
A gente das cidades pergunta-me em que lugar do mundo florescem, em Dezembro, as árvores nas bouças e montados. Respondo que é no Minho, esse perpétuo jardim do mundo. Onde os falsos poetas, como eu, se engasgam de tanta beleza.
sexta-feira, 14 de dezembro de 2018
Quarenta natais depois
É impressionante como os impulsos humanos mais ancestrais — a vaidade, o quero que tu te fodas e a ganância — se continuam a agitar permanentemente sob o verniz da sociedade.
quinta-feira, 13 de dezembro de 2018
Plaza Nueva
É estranho, como o carácter de um espaço publico se modifica quando está vazio, o campanário abandonado, a ópera fechada, a esplanada deserta. No cinema isto é muitas vezes utilizado como pano de fundo de cenas que pretendem assustar ou manipular o espectador. O mesmo acontece com este local onde me encontro agora: os visitantes como eu reduziram-se a apenas alguns, a praça assumiu contornos bastante ominosos. Talvez isso tenha algo a ver com o céu nublado por cima de nós, através do qual ocasionalmente se consegue antever uma pequeníssima nesga de sol, ou talvez às sombras cada vez mais escuras no emaranhado de becos que daqui partem em todas as direcções, mas eu sugiro que é talvez o medo da solidão aquilo que mais os inquieta, o facto de estarem sós, apesar de se encontrarem no coração da cidade.
quinta-feira, 6 de dezembro de 2018
O Retratista
Voltou da sua sessão de ontem chupado até à ultima gota, como um limão usado, com pedaços de tinta espalhados pelas mãos dando-lhe um aspecto doente, e caiu na cama sem dizer nada. Uma palavra que fosse. É um homem magro que parece ter-se alimentado daquele esquisso, e que, agora, sem ele, está a desaparecer. Até a estrutura óssea que mantém o seu rosto se está desmoronar.
Esta manhã ergueu-se por instantes mirou o espelho da cómoda Luís XIV. Olhou-se por uns segundos arrepiantes, deitou-se para trás novamente, muito rígido, como alguém que estivesse a ser baixado para dentro de um túmulo.
quarta-feira, 5 de dezembro de 2018
O Dono Disto Tudo
Vem de uma sociedade onde, há pouco mais de uma década, mais de mil milhões de pessoas tinham o mesmo corte de cabelo e se vestiam com o mesmo fato azul-acinzentado para reprimir a individualidade de cada um, recordo.
terça-feira, 4 de dezembro de 2018
Pintar Dezembro
Vem posar de dois em dois meses. Sempre no inicio do mês, sempre no inicio do dia, sempre a uma terça-feira. Estamos em Dezembro. Sorri, o olhar é agudo, gelado, isso mesmo um olhar gelado, como se, lá dentro, no interior do olhar, houvesse um registo de uma memória coberta de névoa que um vento glaciar faz emergir: um espelho com a devolução de precárias e lacónicas imagens. Nunca um silêncio, porque aquela tropelia de lembranças arrasta-se com gritos lancinantes, suplicas veementes, resignações, uma teia laboriosamente tecida, um meandro, um labirinto.
Pela primeira vez reparo que a sua beleza é assimétrica, que cada metade do seu rosto terá de ter uma atenção separada. O seu perfil visto de lados opostos é diferente, como as deusas tradicionais de duas faces.
Abro subitamente o caderno de esboços, numa folha em branco, tentando não olhar para os desenhos anteriores, e com o lápis de carvão desenho as suas formas. Os contornos são conhecidos e esperados. Posso ser honesto com ela, dentro daqueles contornos encontro novos sinais que o seu espírito mandou imprimir na pele - rugas, vincos e laivos de amargura. Registo todos eles. E, curioso, a sensação que me invade, à medida que a minha mão segue o seu instinto, é de indulgência. Indulgência plenária.
Preciso preparar uma mistura equilibrada entre o vermelho e o azul. Púrpura. Não sei se um magenta ou um anil. Se mais vermelho, se mais azul.
Pela primeira vez reparo que a sua beleza é assimétrica, que cada metade do seu rosto terá de ter uma atenção separada. O seu perfil visto de lados opostos é diferente, como as deusas tradicionais de duas faces.
Abro subitamente o caderno de esboços, numa folha em branco, tentando não olhar para os desenhos anteriores, e com o lápis de carvão desenho as suas formas. Os contornos são conhecidos e esperados. Posso ser honesto com ela, dentro daqueles contornos encontro novos sinais que o seu espírito mandou imprimir na pele - rugas, vincos e laivos de amargura. Registo todos eles. E, curioso, a sensação que me invade, à medida que a minha mão segue o seu instinto, é de indulgência. Indulgência plenária.
Preciso preparar uma mistura equilibrada entre o vermelho e o azul. Púrpura. Não sei se um magenta ou um anil. Se mais vermelho, se mais azul.
segunda-feira, 3 de dezembro de 2018
Teoria corpuscular
É absolutamente notável o quão teatral a luz feita pelo homem pode ser quando a luz do sol começa a desaparecer! A forma como nos pode afectar emocionalmente, mesmo hoje em dia, em pleno século XXI, em cidades tão grandes e tão luminosas como as nossas, chega a ser ridícula.
quinta-feira, 29 de novembro de 2018
Catapulta
Hoje, neste país, mesmo atardadamente, ouve-se centos de vezes o proferir de palavras gratuitas, com destino, mas sem presente, sem passado, sem final, sem sentido. Como se as palavras atiradas pudessem explicar sempre tudo. Excepto o ter-se chegado atrasado, claro.
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