Em Paris eras uma dama aprisionada num espartilho fumando cigarrilha no Cabaret du Ciel. Em Berlim estavas sentada num palco da Filarmónica, abanando-te com um programa onde constava, entre outras sinfonias, a nona de Mahler. Em Amesterdão eras uma daquelas prostitutas lindíssimas que se exibem nas montras dos canais. Em Londres eras um ramo de daffodils que comprei no Columbia Market no inicio da Primavera. Em Praga eras uma rapariga que orava no Cemitério Velho. Na reserva de Kilaguni, no Quénia, rodeada de hienas, ao cair do sol, estavas vestida de caqui como Ava Gardner no Mogambo. Em Rabat eras Saida a pôr o tempo a dançar numa noite de Ramadão. Nas ilhas gregas eras uma turista inglesa que teimava em prolongar o Verão. Em Viena simplesmente vendias tortas de chocolate na pastelaria Demel. Em Braga...passado aquele ponto em que os rostos foram atravessados por um agradável momento de calor, em que todos os músculos se relaxaram e uma alegria cósmica de textura impetuosa e contaminada de inquietação nos levou a descobrir que, sim, os beijos eram para cumprir, tornou-se impossível estabelecer diferenças entre a postura dos homens e dos cães: do encontro entre os corpos ergueram-se odores tão intensos que acabamos fundidos um no outro. Réus, culpados, mortos.
No Rio de Janeiro poderias ter sido a Garota de Ipanema gingando pelo calçadão fora, mas nunca lá estive.
No Rio de Janeiro poderias ter sido a Garota de Ipanema gingando pelo calçadão fora, mas nunca lá estive.