terça-feira, 25 de abril de 2017

Povoléu

Era uma vez um país, numa época em que a maior parte das pessoas acreditava num qualquer género de universo em três camadas: havia o mundo sobrenatural, o natural e um qualquer lugar povoado por seres humanos. Uma espécie de vácuo nevoento e doloroso onde o Povoléu era a classe dominante. O seu nome do meio era Pobreza e o seu apelido Ignorância.Consequentemente, a sua única hipótese de felicidade estava na escravidão. Escravizem-nos, se for preciso, gritava silenciosamente o Povoléu, mas dêem-nos de comer. E assim, durante quarenta e cinco anos, foi sobrevivendo, matando a fome e passeando-se em ruas mal iluminadas onde ninguém o pudesse escutar - ouvia-se contar o que acontecia aos que erguiam a voz por uma outra liberdade -, mas o Povoléu nunca ficou muito perturbado com esse género de purga. Até que um dia deu-se a revolução de Abril e o Povoléu passou a viver livre mas acossado pela pressão social do sucesso, do poder, da riqueza, da família, da felicidade urgente, da expectativa... e de um mal-estar que lhe percorre o corpo provocando taquicardia, sudorese, respiração acelerada, boca seca, peso no peito, suor nas mãos, sensação de que o coração lhe vai sair pela boca...refém das suas próprias liberdades e sem saber como fazer a contra-revolução. 

10 comentários:

  1. Como o Impontual, nunca chega a tempo nem pertence à tal classe dominante desse país de seu nome próprio Portugal Pobreza, apelido Ignorância, quando veio ao mundo já os quarenta e oito anos ( e não quarenta e cinco) de escravidão sim, fome não, tinham passado e o povoléu gritava de alegria.

    Agora que já cá está e é crescidinho, também deve sentir-se acometido pelos sinais de brotoeja generalizada e cujos sintomas são: 'mal-estar que percorre o corpo provocando taquicardia, sudorese, respiração acelerada, boca seca, peso no peito, suor nas mãos, sensação de que o coração lhe vai sair pela boca"...
    Que tal fornecer estratégias avançadas ao povoléu, coitado, que não pensa e isso de capitães já foi chão que deu uvas, de como de deve organizar uma contra-revolução que nos devolva um belo sorriso ao rosto cansado? Hã??

    *_*

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    1. Maria Antonieta,
      Como deve calcular não sou dono de formulas nem «estratégias avançadas» capazes de amenizar inquietações. Por ventura tão pouco serei capaz de levar a cabo a minha própria contra-revolução. Mas tenho um principio que é tentar sobreviver à explosão dos sentimentos agudos.

      Veja se gosta desta musica:
      https://www.youtube.com/watch?v=J5SvR0ThrZs

      E que a musica de Abril continue a perpetuar a liberdade.

      Um abraço e um cravo, se me permitir, claro está.

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    2. Caro Impontual.
      Aceito o abraço, que retribuo, o cravo vermelho simbólico e, se houver algumas margaridas também as aceito de boníssimo grado, Impontual. Sabe que são as minhas preferidas? Brancas, amarelas... Nascem espontâneas e são essas as que mais me alegram o olhar.

      A música; pois a música tocou no meu ponto sensível. Adoro esta bela canção e há tanto, tanto tempo não ouvia o José Mário Branco e a sua - e minha- Inquietação.
      Muito obrigada, Impontual.

      De futuro tentarei que os 'sentimentos agudos', que em mim costumam cavalgar à solta, não tomem o freio nos dentes. :)

      Um abraço.

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  2. refém das suas próprias liberdades e sem saber como fazer a contra-revolução. 

    concordo, em absoluto.

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    1. Flor, aceita um cravo? Ou prefere um campo de margaridas?

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    2. adoro flores, aceito qualquer uma delas, de sorriso no cara :) mas confesso que prefiro flores plantadas aos ramos tradicionais. a beleza está nas raízes.

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  3. Eu vou pelas margaridas, brancas de preferência, tendo liberdade de escolha, claro... :)
    A liberdade cabe de facto em todas as bocas mas penso que em poucos espíritos. Não há liberdade sem verdade, e o mundo de hoje parece-me que de um modo transversal assenta em meias verdades ou meias mentiras, manipuladas e servidas a (des)gosto é descridas as formas ao alcance da cada um... Liberdade é talvez um conceito que raia a utopia, mas isto sou só eu a pensar alto...
    Boa noite, Impontual

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    1. *servidas de todas as formas
      (era mais isto)

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    2. O sentido filosófico do termo é tramado, Olvido.

      Uma Boa noite, enfeitada de margaridas. :)

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    3. O sentido prático também... Muito mais do que às vezes à primeira vista parece.
      :)

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