Fui almoçar à Galiza. Um daqueles bifes que vem naquela caçarola minúscula a transbordar de molho, e que se comem com o talheres em posição vertical. O bife era tão mal passado que ainda falei com a vaca. Claro que esparrinhou. Não havia de esparrinhar! Salpicou-me a gravata toda. Hoje pus gravata. No Porto também se come mal. Ou melhor, opta-se mal. Mas dizia eu, na Galiza as pessoas sentam-se na mesa dos outros como se não estivesse ali ninguém. Tocou-me uma mãe e um filho. A mãe não era velha. O filho já não era novo. Sorri-lhes. Comeram em silêncio. O filho espreitava o telefone inteligente a cada vibração. Desta última vez, a luz acendeu-se de um azul muito forte, era uma mensagem, não pude deixar de reparar: "eu amo-te e quero ser tua eternamente. Ass: Paulinha". O rapaz sorriu. A mãe deu um último travo no copo da água e disse: "as mulheres são serpentes - o que tens de fazer é despreza-las. E depois quando se sentirem desprezadas, amá-las apaixonadamente. Assim devem ser tratadas as mulheres. Não existe outra maneira, meu filho". Comeram rápido. Eu fiquei ali a falar com a vaca.
Agora, enquanto a gravata seca, sou capaz de ir tomar um gin, tónico, com muito limão.
É verdade que há mulheres e há homens que gostam desse joguinho psicológico de vão de escada como costumo dizer. Eu abomino que alguém me desafie emocionalmente, que queira esticar a corda das minhas emoções para ver no que dá. Até deve ser das coisas que mais abomino e que me levam a desistir (ou não investir, que é igual) de pessoas.
ResponderEliminarHá várias formas de matar, sim. E nem todas têm a cor azul e são baleias.
Gosto de carne mal passada.
Boa tarde, Impontual
Tenho para mim que entre o desistir e o não investir há caminhos diferentes, embora o destino possa ser o mesmo. No entanto, desistir é descartar, não investir já é uma briga com a própria consciência. :)
EliminarRetenho o seu penúltimo parágrafo:"Há várias formas de matar,sim. E nem todas têm a cor azul e são baleias."
Mas, desmarco-me do último,como o diabo da cruz. :)
Boa tarde, Isabel. Como vai?
Sim, queria dizer que neste caso, o desistir e o não investir, vão desembocar no mesmo. Claro que os caminhos podem ser diferentes. "Podem", mas não tenho a certeza... um assunto para pensar mais. É que tenho para mim que "temos" as pessoas (não é no sentido económico de posse; é a outro nível, afectivo; e peço desculpa por estar cansada e sentir o vocabulário a escassear-me)pelo que investimos nelas e elas em nós, num dar-se constante.
EliminarEntão, mas não comeu a carne passada? Foi sem gostar ou sem saber que estava assim?
Vou erguendo os dias e eles a mim, num trabalho de equipa nem sempre equilibrado. Mas está sol!
Aposto que a vaca não estava feliz...
ResponderEliminarAbraço :)
Não estava, mas ficou. É fantástico o poder das palavras. A verdade é que os “seres vivos dotados de sensibilidade" deviam conversar mais entre si.
EliminarAbraço.
Concordo plenamente. Quer no facto de os seres vivos deverem falar entre si, quer no facto de o poder das palavras conseguir fazer com que uma vaca fique feliz por ser comida.
EliminarNão é caso único...
O poder das palavras é vasto!
:)
Impontual, ainda existe o culto do emprenhar pelos ouvidos. E no que respeita a matéria dos afetos, nem se fala.
ResponderEliminarSou boa ouvinte, pouco conversadora, opinativa muito menos. Uma palavra bem intencionada pode ser sempre mal interpretada, até porque depois existe esse reverso de medalha, que serve sempre para culpabilizar atos e decisões que são sempre da exclusiva responsabilidade do seu autor.
Para problemas graves, aconselho sempre o recurso a ajuda de especialistas na respetiva matéria. A saúde mental é muito negligenciada, e o autismo da família é um querer virar costas ou negar problemas graves.
Mas quem sou eu que nada sei.
A minha filha mais nova tem acompanhado estas notícias bem de perto, e está perplexa.
Fica um beijo e um abraço.
Da próxima vai à Cufra.
Absolutamente, Sandra. " uma palavra bem intencionada pode sempre ser mal interpretada".
EliminarO Cufra tem o melhor sável de escabeche do mundo. :)
Boa noite, Impontual.
ResponderEliminarGostei muito do texto, gostei da ironia e nem vou pensar sequer em fazer um comentário 'sério' muito menos filosófico, que filosofa não sou.
Essa baleia mortífera, não chegou ao seu vizinho de mesa, pela mensagem de submissão amorosa que o Impontual conseguiu ler, ( olhe a cusquice) mas sim, imagine-se, pela orca assassina da progenitora. ( que as há assim, lá isso há)
Em tempos adorava ir comer uma francesinha à Galiza, deixei de gostar. Descobri onde se come melhor e sem partilhar a mesa com desconhecidos...
Para a próxima, não esparrinhe a gravata de molho, vá almoçar à Pizzeria Meidin. Na 5 de Outubro ou Santa Catarina. Quem sabe nos encontraremos por lá?
:)
Obrigado pela sugestão, Janita. :)
EliminarSuponho que a senhora mãe seja uma serpente, e como tal também deveria ser desprezada. Pergunto-me com curiosidade como é que a senhora iria sentir-se. Sendo eu uma criatura sensível não gosto que me magoem. Bem, mas as pessoas são diferentes.
ResponderEliminarDeixo-te um abraço, I. :)
Alaska, quer que a leve a casa? :)
EliminarDe momento encontro-me a trabalhar e o meu turno só termina amanhã às 10, se ainda tiver disponível, é com agrado que aceito a sua companhia. :)
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