domingo, 26 de agosto de 2018

Grand Hotel III

Reparei nos casais que desciam a escadaria preparados para o jantar, os homens talhados de negro, as mulheres cobertas de folhos. Ocorreu-me que aquela era a cena em que, nos romances góticos, o corcunda rapta a sua donzela. Ali, com o candelabro, o brilho da lampada do pilar das escadas em caracol, os diamantes e a carne nua. Aquela era a hora do monstro. Depois de a ter seguido, de a ter enganado, estava agora pronto a raptá-la - sem nada para oferecer-lhe em troca, para além da sua vida envenenada, dos seus carnudos e sedentos lábios.
Não demorou mais de um segundo. Trazia um vestido branco, comprido, salpicado de bordados e renda, as mangas, meros véus que cobriam os seus braços, uma espécie de cinto prateado que descia abaixo da cintura, e uma longa cauda, caída atrás dela pelas escadas abaixo numa espiral cintilante; um vestido que se ajustava a ela como um delicado gérmen agarrado à sua pálida semente. Não usava nada em volta do pescoço, absolutamente nada, apenas a sua pele clara, ondulando como uma pequena vaga, quando engolia e olhava para baixo com a grandiosidade de uma mulher sem preocupações de juventude, sem confusões nem piscar de olhos, uma mulher de paixões, ali, naquela escadaria, com uma mão pousada no corrimão. Havia estrelas no seu cabelo...

10 comentários:

  1. Uma cena digna do Murnau, sim senhor...
    Quando teremos o consolo de ver a consola?

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    1. Tétisq, não quer antes ir ao cinema? Tenho quatro filmes ao seu critério de selecção. :)

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    2. Quatro? Hum...isso interessa-me :)

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    3. - "Recordações da casa amarela" - João César Monteiro, 1989
      - "Ossos" - Paulo Costa, 1997
      - "Viagem a Tóquio" - Yasujiro Ozu, 1957"
      - "Noite de estreia" - John Cassavets, 1977

      (servidos em salva de prata)

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    4. Agradeço o requinte com que me serve (em salva de prata) e revejo-me nas escolhas de onde se prova que me devo ter dado a conhecer melhor do que pensava e sou pessoa de gosto eclético para não dizer infefinido ou esquisito sendo que caberiam aqui muito mais.

      Acho que alterno momentos em que a disposição me aproxima mais de uns do que de outros e às vezes sou todos no mesmo dia. Mas os meus preferidos são 'Viagem a Tóquio' e 'Ossos'.

      Para assistir em tão ilustre companhia 'Viagem a Tóquio'.

      Nunca me convidaram para ir ao cinema. Quando vou acompanhada (muito raro) faz parte de uma combinação nunca de um convite. Começava a acreditar que os convites para o cinema eram coisa de filme...

      *Pedro Costa

      Obrigada, beijo.

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    5. * Que disparate!:)

      ( obrigado por aceitar o convite)

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  2. ...enquanto a consola não sai à cena, encena o Impontual a bela cena.
    Tão bonita...antiquadita, mas linda!

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    1. Janita, esta é uma história com 100 anos. Tenho estado a imaginá-la/contá-la o melhor que posso e sei.

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    2. Claro, Impontual!
      Reconheço-lhe o mérito de saber contar histórias, como ninguém.
      Aguardo a continuação.

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