Em dias como o de hoje em que me permito regressar bem mais cedo do que é habitual e ainda debaixo da luz do dia, gosto de encontrar a casa vazia, fria, triste, escura. Recolher uns "cavacos" na arrecadação, acender a lareira lentamente e ficar ali a ouvir os primeiros estalidos da lenha a queimar. Tirar um copo e uma garrafa de Cognac de Charente do armário e deixa-los na borda fria da pedra que emoldura o recuperador de calor. Depois, quando o lume pega completamente, os pedaços de lenha começam a brilhar e uma chama tremulante, regular, começa a dançar por toda a sala, recolho a garrafa e sirvo uma dose generosa daquele néctar à temperatura certa. Entre uns tragos curtos, gosto de ficar por ali uns momentos de pé, como que a contemplar as chamas bruxuleando na vulnerabilidade da tarde pálida a ser tomada pela noite escura e gélida. Até que me sento na poltrona alumiado apenas pela incandescência da lenha e deixo-me invadir pelas ondas sonoras do sistema nervoso. Vibrações misteriosas que se misturam com o lembrete aflitivo, também ele mental, de que ainda não comprei um único presente de Natal! A diversidade dos seus ecos atordoam-me, por assim dizer, o espírito. A memória, essa, distingue o meio ambiente de um tempo de certo modo longínquo, tempo esse que se dilui até se tornar teimosamente indiscernível. É certo que o tempo se transfigura sempre de acordo com o magnetismo das pessoas que o viveram, porque as coisas não têm outro significado, para cada um de nós, senão aquele que lhe podemos atribuir - as coisas são como são ou foram como foram. O Natal é que já não é grande coisa. Mas, enquanto houver lume e alguns sorrisos para manter vivos, ainda vai acontecendo.