Começa por reanimar a voz com gradações e arpejos - mas para ela é como recitar o alfabeto, é mais como uma alegria, como correr descalça por uma extensa praia de areia. Após várias notas curtas, acentuadas, em staccato, surge um acorde e a sua voz desliza entre as notas, apodera-se de uma delas e ergue-se até ao céu: dispara. Num ritmo sacudido, desce desde as notas agudas, cantadas com uma doçura lancinante, até às águas profundas e sombrias das notas baixas, onde geme como se a vida a estivesse a deixar gota a gota. Por vezes, faz um ruído com os lábios como uma rolha que salta, outras vezes bate no peito com a palma da mão para pontuar a música que flui da sua garganta. Dir-se-ia que a sua voz conta uma história - não apenas a história da sua vida, mas a de toda a humanidade com os seus combates e provações, seus triunfos e derrotas. Ora se escoa em vagas ameaçadoras como o oceano engrossado por uma tempestade, ora como uma queda de água que desce pela falésia e faz ricochete precipitando-se no caos de espuma em direcção ao vale sombrio e luxuriante que está em baixo. Desenha círculos de ouro como anéis de Saturno, oscilando loucamente de alto a baixo, lamentando-se e vibrando, insinuando-se à volta de um fá grave como a hera que trepa as árvores, para depois finalmente mergulhar nas águas azuis e transparentes de um acorde de sol maior.
Escreve como se estivesse a cantar.
Escreve como se estivesse a cantar.