Miss Jayne Mansfield nas bancadas dos HotSpurs, anos 60
sábado, 14 de julho de 2018
quinta-feira, 12 de julho de 2018
Palomar
De todo o movimento do Sol na esfera celeste, há um momento que o Senhor Impontual gosta de apreciar com particular delicadeza - que é aquele momento em que o Sol diz para a Lua: vem.
O Senhor Impontual, por breves instantes, consegue colocar-se no lugar do Astro-Rei e saborear a delicia de saber-se compreendido, trespassado por um olhar inteligente que parece evitar-nos obstinadamente. Aquela observação recheada de subentendidos a dizer, sem impor, toda a sua verdade, sem que tenhamos que delinear quaisquer subtilezas. Eis o mais embriagador de todos os prazeres: ser adivinhado, observado escrupulosamente, reconstituído a partir de deduções e por fim reconhecido na sua sinuosa complexidade.
O Senhor Impontual gosta de acreditar que um dia a Terra travará de súbito naquele preciso momento e por ali ficará, estática, durante um instante mais alongado.
terça-feira, 10 de julho de 2018
Agapanthus
As pessoas insistem continuamente em exigirem-nos a tarefa, hercúlea, da consciência absoluta de tudo o que se passa com o mundo à nossa volta, esquecendo que isso seria o mesmo que ouvir o sol nascer, o coração dos pássaros bater, a sombra das flores crescer. E que isso nem sempre é possível.
sábado, 7 de julho de 2018
quinta-feira, 5 de julho de 2018
Permutas
Não faço a mínima ideia como vim aqui parar, mas... de certeza que fui raptado. Certamente encontrava-me num bar da costa norte, a beber uma cerveja que foi adulterada, e, tendo mergulhado numa letargia provocada pelas drogas, fui atirado por uma tábua rasa falsa do soalho para um barco a remos que me aguardava. Daí, fui levado, no meio da noite mais escura, para um veleiro muito rápido que me esperava ao largo, os honorários trocados, e despertei no meio do oceano banhado pelo sol, para me aperceber de que estava a ser levado para sul como parte da tripulação corsária. A Capitã estava a gritar as suas ordens para o vento predominante e as tripulantes, com os cabelos presos em rabos-de-cavalo e com os braços tatuados, estavam a arrastar os pés ao meu lado, de olhos cravados no novo colega. Uma viagem para trás, na direcção daquele rio suturado pelas malhas apertadas das suas margens, pela fosca luz ribeirinha, sem pitada de sal. Por outras palavras, havia sido embriagado e obrigado a embarcar como marinheiro-manobra, enquanto me encontrava inconsciente.
Mas, antes isto que o intolerável Lago Tanganica.
Mas, antes isto que o intolerável Lago Tanganica.
terça-feira, 3 de julho de 2018
Palomar
O Senhor Impontual, um indefectível do mundo em movimento, de há uns tempos a esta parte quando abre o feed do blogger não pode deixar de se questionar sobre o que é feito daquela blogosfera que engordava, fazia regimes, deixava crescer a barba, apanhava aviões para todo o lado, comprava bugigangas que lhe enchia a casa, lia livros que lhe enchia o ego, escrevia histórias que lhe enchia a vida. Que a cada episódio, o critico, salientava a violência das imagens imiscuídas nas palavras, das relações homens-mulheres, da sua misoginia, da sua misantropia. Aquela blogosfera que mostrava o cão. Aquela blogosfera em que o sangue jorrava, os golpes ferviam, a traição vencia as melhores amizades, a carnificina parecia inevitável, os corpos explodiam em mil pedaços, o mundo sofria um abalo a cada publicação. Que é feito?
Não achando resposta tão imediata como gostaria o Senhor Impontual decide que, doravante, fará como se estivesse sozinho na blogolãndia, para ver como roda o universo apenas puxado por si. O Senhor Impontual ainda acredita que entre ele e o mundo as coisas continuam a ser como são e por isso ainda esperam algo um do outro. Que a vida continuará um campo de observação infinito onde os pormenores recolhidos permitem continuar a viagem dentro de si próprio, esclarecendo horas e infelicidades, mais eficazmente que um qualquer doutor de almas sobre os seus distúrbios.
O Senhor Impontual já acolhe dentro de si uma certa sensação de acalmia. Mas é exactamente a expectativa de saborear esta calma que o torna ansioso.
Não achando resposta tão imediata como gostaria o Senhor Impontual decide que, doravante, fará como se estivesse sozinho na blogolãndia, para ver como roda o universo apenas puxado por si. O Senhor Impontual ainda acredita que entre ele e o mundo as coisas continuam a ser como são e por isso ainda esperam algo um do outro. Que a vida continuará um campo de observação infinito onde os pormenores recolhidos permitem continuar a viagem dentro de si próprio, esclarecendo horas e infelicidades, mais eficazmente que um qualquer doutor de almas sobre os seus distúrbios.
sexta-feira, 29 de junho de 2018
quinta-feira, 28 de junho de 2018
Cesariny
Rejúbilo
Por arder de mansinho junto ao mar
rejúbilo
porque uma coisa é certa: ninguém me ouve
rejúbilo
porque outra é indubitável: eu não oiço ninguém
Rejubilemos
segunda-feira, 25 de junho de 2018
Perguntem ao Carlos
O ressentimento é uma sopa espessa que se pousa nos lábios, passa pela boca e pelo esófago e vai ancorar-se no estômago. E por ali fica, em ebulição constante ao longo de anos, até regurgitar.
Palomar
Está-se no final do mês de Junho e no ar paira a fragrância do jasmim, do alecrim, da madressilva e das mimosas. Os botões da catalpa rebentam nas árvores, parecendo estrelas, o seu perfume a leite-creme espalha-se delicadamente pelo ar. O Senhor Impontual olha para aquela mulher dentro do seu vestido de linho cor purpura. Olha para ela e pergunta-se como como será a sua roupa interior, pergunta-se como será nua. O linho até uma certa idade acrescenta dez anos, depois de uma certa idade retira dez anos. O Senhor Impontual, numa rápida incursão mental pelo seu closet, afere que não tem uma única peça de linho. Mas não vê nisso inquietação de maior.
segunda-feira, 18 de junho de 2018
Às vezes acontece a vida acontecer
Num cair de noite assim, sob esta luz de vermelho ao mar, puxá-la para mim, abraçá-la fortemente, acariciar-lhe o cabelo e, peito com peito, capturar o pulsar do seu sangue, deixar-me levar no percurso ondulante da sua circulação. A lua, ali de guarda, pendente acima da linha do horizonte, como um sopro de ar suspenso. Um ambiente crepuscular interminável a fazer acreditar na elasticidade do tempo. Ele a espalhar-se diante de nós, e o amanhã a tornar-se tão vago que deve estar mesmo muito longe. Depois... o tempo retrai-se e faz ricochete, o relógio repica, paira uma luz acinzentada e sopra uma aragem fresca...
Não vos acontece, acontecer?
Não vos acontece, acontecer?
sexta-feira, 15 de junho de 2018
Inturgescência
Os aviões sempre exerceram sobre mim um efeito analgésico e euforizante. Talvez em consequência da rarefacção do oxigénio, a não ser que seja o facto de voar a vinte mil pés de altitude que me transmite a inebriante ilusão de me encontrar fora do alcance das contrariedades e das preocupações terrestres. Refastelado no assento, de cabeça apoiada no vidro da janela, apalpo-me por dentro e questiono-me. Aos vinte anos, não temos coração. Julgamos que temos; estamos convencidos de que fomos amaldiçoados com uma coisa sagrada, inchada, que estremece ao ouvir os nomes que adoramos, mas não é um coração, porque ainda que abdique de tudo no mundo - da mente, do corpo, do futuro, até da ultima hora solitária que tem - não se sacrifica a si próprio. Não é um coração, aos vinte anos, é uma rainha gorda que murmura na sua colmeia.
Quando é que nos nasce o coração? Quinze, vinte anos anos depois de precisarmos dele?
segunda-feira, 11 de junho de 2018
Questiúncula
Sabendo-se da sua natureza egocêntrica, dos seus narcisismos desastrados que à medida que as suas obsessões aumentam se tornam mais febris, o que é que aquelas duas criaturas, lá no meio daquela testilha sem história, terão para dizer uma à outra?
Carrego eu ou carregas tu?
Carrego eu ou carregas tu?
Com cumprimentos ao Cão Grande
Nestes tempos em que o existencialismo anacrónico ousa pisar o terreno do romantismo desacreditado, Fiódor - o cão de pêlo pardo - não acredita no amor convencional, mas também ainda não encontrou um substituto para esse sentimento. É a metafísica paradoxal. Deixa, porém, um aviso intemporal: cuidado com os subterrâneos dos desejos, que as suas janelas estão sempre escancaradas.
sábado, 9 de junho de 2018
Insónia
Bocarra aberta que aspira o vivente para depois expelir miséria. Sorvedouro. Tudo ali se transforma, o ar, o ruído, o grito. Tudo se apresenta, tudo se exalta. Indiferente, sem pudor, caminha sobre a sombra dos transeuntes como se tudo se espezinhasse. Lugar sem meio, migrante, flutuante ao sabor dos terminais do pensamento, ao sabor das horas e picos de reflexão, campo aberto onde se extasiam fragmentos. Queixume ininterrupto. Às vezes noite-encontro, os amantes nas suas caçadas esgueiram-se pelos becos sem saída, caricias dóceis, o esperma jorra, o prazer é tão curto.
quarta-feira, 6 de junho de 2018
terça-feira, 5 de junho de 2018
Polinómio
O facto de termos a mais baixa taxa de natalidade da Europa, representada numa média de 1,3 nascimentos por mulher, aliado ao facto de estarmos a produzir uma média diária de lixo na ordem dos 1,3 kgs per capita, o que representa uma dramática subida da produção anual, poderá deixar-nos de certo modo optimistas, quanto ao futuro, perante o facto de metade dos alunos do primeiro ciclo não conseguir saltar à corda ou efectuar uma cambalhota simples com saída para a frente e a outra metade não saber apontar Portugal num mapa?
segunda-feira, 4 de junho de 2018
Graciosa
Enquanto lá fora o céu, baixo, esvaziava o seu ventre, os seus excrementos, num aguaceiro amarelo de enxofre vulcânico semelhante à urina, invadiu-a um desejo cheio de fervilhantes impaciências. Os excessos daquela natureza oceânica que crepitava sob gotas grossas, fazia eco aos seus enormes apetites. Indiferente a tudo, Graciosa sentia agora não só a febre de comer aquele homem, aquela fome indescritível que por vezes sentem as mulheres inconclusas, mas também a de ouvir, inteirar-se das lavas internas, daquilo que assoma para fundar uma pessoa, ir de uma alma a outra, partilhar o dom da oferenda reciproca da fala, da escuta e... da absolvição.
quarta-feira, 30 de maio de 2018
Aventar
__Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas
Subscrever:
Mensagens (Atom)