Eis senão que o meu olhar pousou na paisagem de fundo, um infinito horizonte sem problemas latentes, sem nenhum dos acidentes causados pela humanidade. Não isento de fogo, é certo. Mas sem terror, sem tragédias, sem inépcias, sem culpas. Sem desculpas...
segunda-feira, 13 de agosto de 2018
quarta-feira, 8 de agosto de 2018
Refrigério
Aquela poderia ter sido a hora mágica das nossas vidas - a única altura em que poderíamos ter sido exactamente aquilo que gostaríamos de ser - e os deuses tinham-nos trazido, naquele momento dourado, o prémio mais desejado: descobrimos uma pequena loja de chã, onde entrámos, um lugar com paredes forradas a papel de veludo azul índigo com relevo e com cortinas corridas até meio, de modo que os vultos das pessoas que passavam na rua formavam uma espécie de jogo de sombras balinês no tecido amarelo dos maples onde estávamos sentados, silenciosos, cara a cara, olhos nos olhos, espectro no espectro...
quinta-feira, 2 de agosto de 2018
E tu Impontual, o que vês da tua janela?
Caiu a canícula sobre a cidade, os citadinos caminham mais rígidos que de costume, ombros direitos, passo rectilíneo, carregam o peso de uma fatalidade impensável. As guitarras eléctricas calaram-se, está-se agora em Mozart e na sua perfeição tensa que atapeta as ruas. Instalou-se uma névoa que emite vagas calorificas muito acima do suportável. As horas invadiram a atmosfera para aí se desfiarem mais lentamente, pousando as suas voltas sobre as pedras ardentes dos edifícios. Gotas de suor, gargantas secas, a canícula estendeu os seus tentáculos sobre a cidade e impôs a sua disciplina. Gestos comedidos. Respirações contidas. Vive-se em poupança. Crânios abrasados, entre-pernas suados, desejos amolecidos, os corpos reagem e crepitam brandos. Enquanto os pensamentos se revestem de gelo e de cristais glaciares, cada qual segue como um ladrão de sombras, rasando paredes sem sol.
Mas, ainda há quem trabalhe em Agosto.
Mas, ainda há quem trabalhe em Agosto.
quarta-feira, 1 de agosto de 2018
Prólogo
São cada vez menos os olhos que vêem o que ainda está escondido. Olhos infelizes, haveis visto de menos! A verdade é que as linhas começam a ter um traçado pouco definido, os extremos tornam-se flexíveis; as cores esbatem-se e como que flutuam, estão a ficar esbranquiçadas à luz e a perder a sua vitalidade. A sua camada fina distende-se. A Natureza fala, chora, pede socorro. O Homem é frágil e débil, à semelhança da civilização que erigiu em seu redor. Calado ainda avança decisões na noite escura das perguntas sem resposta. Estas parecem ser as características do retrato do mundo futuro. Está em marcha o processo de óxido-redução e da transformação dos haletos. Para já fica assim. Ainda se respira. Quem vier a seguir que ponha a máscara. Ou que feche a porta. Dou graças por não estar presente para ver essa fotografia.
Hoje arranca a volta a Portugal em bicicleta. Esta tarde temos um curto prólogo, seguem-se doze longas etapas. Abri os olhos.
Hoje arranca a volta a Portugal em bicicleta. Esta tarde temos um curto prólogo, seguem-se doze longas etapas. Abri os olhos.
segunda-feira, 30 de julho de 2018
Questiúncula
Mas... é só na politica que o Mal, a obra tenaz de Lucifer, consiste em fazer cair a sombra sobre homens e mulheres? numa imagem estável de si próprios, mas não necessariamente mortífera visto não estar cristalizada num eu definitivo que os impeça de ser outras figuras de si próprios, progredindo? Mas... e só na politica que, do pavor da cova dos falhados ao pavor encolhido, dilatado e novamente encolhido, adormecido mas não muito, à estratégia da esquiva, à retractilidade, à solução de reserva, ao coeficiente de segurança é um ápice?
quarta-feira, 25 de julho de 2018
Telegrama para a Grécia
Querido Kostas,
Saber-te desesperado com a ideia terrivel de que as cinzas que tombam dos céus sãos os restos mortais dos vossos entes queridas, é para nós uma reminiscência recente muito forte. Por isso, é na mais elementar das solidariedades que te dirijo estas parcas palavras de conforto: ajudem-se uns aos outros, não exasperem à procura de culpados.
Daqui por um ano vão perceber que a culpa afinal é vossa, e só vossa.
Ajudem-se uns aos outros.
Um abraço. Sincero.
segunda-feira, 23 de julho de 2018
Palomar
O Senhor Impontual, acompanhado do Senhor Palomar, aguarda ansiosamente a passagem do Senhor da Boliiinhas.
Logo, logo... nos debruçaremos sobre a observação das ondas e dos aspectos complexos que concorrem para a sua formação. A seu tempo obrigaremos os nossos pálidos olhares a percorrer a praia com imparcial objectividade, de modo a que, mal o peito nu de uma mulher entre no nosso campo visual, se note uma descontinuidade, um desvio, um mero sobressalto na paisagem em torno daquelas dunas aureoladas.
sexta-feira, 20 de julho de 2018
Herberto
Nem sempre me incendeiam o acordar do sol atrás dos montes e a lua despenhada nos confins dos mares.
- Todavia, tu sempre me incendeias.
Mas de certo sou eu, numa ardente confusão de água e terra.
Mas de certo sou eu, numa ardente confusão de água e terra.
segunda-feira, 16 de julho de 2018
Motel
Não digamos nada. Não vale a pena... mesmo na privacidade do nosso quarto, quando estivermos deitados, submergidos na luz listada, preta e branca, da meia-noite. É preciso muita imaginação para reconhecermos as mágoas das pessoas que consideramos felizes. As suas verdadeiras batalhas travam-se, como as das estrelas, num qualquer reino de luz, imperceptível para o olhar humano. Seria um feito demasiado da nossa inteligência adivinhar o que se passa no coração de outra pessoa. Fodamo-nos. Apenas e só.
sábado, 14 de julho de 2018
quinta-feira, 12 de julho de 2018
Palomar
De todo o movimento do Sol na esfera celeste, há um momento que o Senhor Impontual gosta de apreciar com particular delicadeza - que é aquele momento em que o Sol diz para a Lua: vem.
O Senhor Impontual, por breves instantes, consegue colocar-se no lugar do Astro-Rei e saborear a delicia de saber-se compreendido, trespassado por um olhar inteligente que parece evitar-nos obstinadamente. Aquela observação recheada de subentendidos a dizer, sem impor, toda a sua verdade, sem que tenhamos que delinear quaisquer subtilezas. Eis o mais embriagador de todos os prazeres: ser adivinhado, observado escrupulosamente, reconstituído a partir de deduções e por fim reconhecido na sua sinuosa complexidade.
O Senhor Impontual gosta de acreditar que um dia a Terra travará de súbito naquele preciso momento e por ali ficará, estática, durante um instante mais alongado.
terça-feira, 10 de julho de 2018
Agapanthus
As pessoas insistem continuamente em exigirem-nos a tarefa, hercúlea, da consciência absoluta de tudo o que se passa com o mundo à nossa volta, esquecendo que isso seria o mesmo que ouvir o sol nascer, o coração dos pássaros bater, a sombra das flores crescer. E que isso nem sempre é possível.
sábado, 7 de julho de 2018
quinta-feira, 5 de julho de 2018
Permutas
Não faço a mínima ideia como vim aqui parar, mas... de certeza que fui raptado. Certamente encontrava-me num bar da costa norte, a beber uma cerveja que foi adulterada, e, tendo mergulhado numa letargia provocada pelas drogas, fui atirado por uma tábua rasa falsa do soalho para um barco a remos que me aguardava. Daí, fui levado, no meio da noite mais escura, para um veleiro muito rápido que me esperava ao largo, os honorários trocados, e despertei no meio do oceano banhado pelo sol, para me aperceber de que estava a ser levado para sul como parte da tripulação corsária. A Capitã estava a gritar as suas ordens para o vento predominante e as tripulantes, com os cabelos presos em rabos-de-cavalo e com os braços tatuados, estavam a arrastar os pés ao meu lado, de olhos cravados no novo colega. Uma viagem para trás, na direcção daquele rio suturado pelas malhas apertadas das suas margens, pela fosca luz ribeirinha, sem pitada de sal. Por outras palavras, havia sido embriagado e obrigado a embarcar como marinheiro-manobra, enquanto me encontrava inconsciente.
Mas, antes isto que o intolerável Lago Tanganica.
Mas, antes isto que o intolerável Lago Tanganica.
terça-feira, 3 de julho de 2018
Palomar
O Senhor Impontual, um indefectível do mundo em movimento, de há uns tempos a esta parte quando abre o feed do blogger não pode deixar de se questionar sobre o que é feito daquela blogosfera que engordava, fazia regimes, deixava crescer a barba, apanhava aviões para todo o lado, comprava bugigangas que lhe enchia a casa, lia livros que lhe enchia o ego, escrevia histórias que lhe enchia a vida. Que a cada episódio, o critico, salientava a violência das imagens imiscuídas nas palavras, das relações homens-mulheres, da sua misoginia, da sua misantropia. Aquela blogosfera que mostrava o cão. Aquela blogosfera em que o sangue jorrava, os golpes ferviam, a traição vencia as melhores amizades, a carnificina parecia inevitável, os corpos explodiam em mil pedaços, o mundo sofria um abalo a cada publicação. Que é feito?
Não achando resposta tão imediata como gostaria o Senhor Impontual decide que, doravante, fará como se estivesse sozinho na blogolãndia, para ver como roda o universo apenas puxado por si. O Senhor Impontual ainda acredita que entre ele e o mundo as coisas continuam a ser como são e por isso ainda esperam algo um do outro. Que a vida continuará um campo de observação infinito onde os pormenores recolhidos permitem continuar a viagem dentro de si próprio, esclarecendo horas e infelicidades, mais eficazmente que um qualquer doutor de almas sobre os seus distúrbios.
O Senhor Impontual já acolhe dentro de si uma certa sensação de acalmia. Mas é exactamente a expectativa de saborear esta calma que o torna ansioso.
Não achando resposta tão imediata como gostaria o Senhor Impontual decide que, doravante, fará como se estivesse sozinho na blogolãndia, para ver como roda o universo apenas puxado por si. O Senhor Impontual ainda acredita que entre ele e o mundo as coisas continuam a ser como são e por isso ainda esperam algo um do outro. Que a vida continuará um campo de observação infinito onde os pormenores recolhidos permitem continuar a viagem dentro de si próprio, esclarecendo horas e infelicidades, mais eficazmente que um qualquer doutor de almas sobre os seus distúrbios.
sexta-feira, 29 de junho de 2018
quinta-feira, 28 de junho de 2018
Cesariny
Rejúbilo
Por arder de mansinho junto ao mar
rejúbilo
porque uma coisa é certa: ninguém me ouve
rejúbilo
porque outra é indubitável: eu não oiço ninguém
Rejubilemos
segunda-feira, 25 de junho de 2018
Perguntem ao Carlos
O ressentimento é uma sopa espessa que se pousa nos lábios, passa pela boca e pelo esófago e vai ancorar-se no estômago. E por ali fica, em ebulição constante ao longo de anos, até regurgitar.
Subscrever:
Mensagens (Atom)