terça-feira, 21 de setembro de 2021

Sobressalto sistémico

Alguém mandou calar o canto dos pássaros porque o ouvido interior dessa pessoa ouvira uma melodia mais bela! Alguém mandou murchar as flores e as árvores porque o seu olfacto interior descobrira um aroma mais maravilhoso que os aromas da própria natureza. Finalmente, alguém mandou destruir a arquitectura e os objectos de arte porque se apaixonara pelas coisas impalpáveis.
Assusta-me que tenha deixado o céu tão azul.

terça-feira, 14 de setembro de 2021

Palomar

O Senhor Impontual é um desgraçado e desgraçado é toda a alma presa pelo amor às coisas finitas... O Senhor Impontual sente, por antecipação, um profundo tédio aos dias vindouros. A alma do Senhor Impontual está despedaçada e escorre sangue, e não se sente bem em si, mas o Senhor Impontual não encontra lugar onde possa pacifica-la. Ela não encontrará paz nos bosques amenos, nem nos jogos e cânticos, nem em jardins suavemente perfumados, nem em banquetes faustosos, nem em lareiras rubras, nem no prazer da alcova, nem mesmo nos livros e na poesia.
Porém, há uma coisa extraordinária para ver nas margens do Arno neste inicio de Outono: o céu apinhado de pássaros.

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Integridade, decência, solidariedade, dedicação à causa democrática

 Jorge Sampaio
(1939-2021)

"Um Presidente da República não é uma folha seca, é alguém que tem de ter princípios e valores que defende a Constituição e está recheado de vivências."

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Setembro


O passado, o presente, o futuro - um livro rasgado em pedaços. 
Por onde começar, a fim de voltar a pôr tudo em ordem?
Hoje estou aqui. Consciente. Dado estar aqui, não necessito perceber os pormenores.
Nem tudo é para ser.

domingo, 29 de agosto de 2021

quinta-feira, 26 de agosto de 2021

segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Agosto não é um bom mês

... para se fazer uma entrevista a Antonio Barreto.

terça-feira, 10 de agosto de 2021

Tábua de marés

Mas que boa ideia! Que ideia sã! Invejo-lhe a fleuma, a indolência, a despreocupação. Um ideal que para o atingir deve ser preciso ter a mente vazia ou então uma mente preenchida e rica. Vê-la comer foi altamente inspirador. Saboreou cada pedaço de comida, que escolheu com toda a calma. Teve o cuidado de escolher coisas de que gostava, que lhe caiam bem, porque o sabor lhe agradava. Prolongou interminavelmente a refeição, com o seu bom humor a aumentar, com a sua indolência a tornar-se mais sedutora, o espírito mais agudo, vivo, desperto. Uma boa refeição, uma boa conversa. Uma boa f...., pensou a minha mente insana. Que melhor forma de passar o dia. Ao contrario de mim não tinha escorpiões a devorar-lhe a consciência, preocupações das quais não se conseguisse descartar. 
Limitei-me a flutuar com a maré, e nada mais.

terça-feira, 3 de agosto de 2021

No entanto, recordo perfeitamente ...

No instante de afastar as coxas, sentir um êxtase, um momento de terror luminoso, como deve sentir um homem que salta da ponta de uma falésia indo cair sobre as rochas distantes. Ou o criminoso, atirado para a eternidade pelo empurrão do carrasco, voando sobre o silêncio da multidão. Vê-se tudo, compreende-se tudo, uma luz intensa, um ar calmo. Depois o vento quebra as ondas sobre a cabeça, a luz diminui, o odor a terra molhada intensifica-se.

quarta-feira, 28 de julho de 2021

Entrefolhos

Assim que toquei a campainha a porta abriu-se num movimento imediato. Lá dentro era uma sala de mobília tubular em preto e branco, no chão um tapete de lã, espesso, como uma nuvem por onde me deixei deslizar. Não conservo recordações dessa noite, nem das pessoas que ali estavam, nem da musica que foi tocada. A única coisa que subsiste na minha memória é o seu rosto, uma oval perfeita riscada por lábios vermelhos, olhos de corça, planetas de reflexos escuros no interior dos quais parecia decidir-se os destinos do universo, pescoço fino, o movimento do corpo constantemente a escapar às regras mais elementares da gravitação, nádegas aristocráticas, seios tumefactos de vida e de sumptuosos mamilos. Recordo ainda o encontro dos corpos de onde se exsudaram odores intensos, os dentes a morder a pele, ser conduzido às portas do inferno, de me enterrar até ao fundo. E uma vez percorrido esse caminho, escavar a minha própria sepultura, afundar-me no abismo escorregadio onde outrora tantos outros haviam perecido. Não sei se era sábado ou domingo.

segunda-feira, 26 de julho de 2021

Há autores que começam os seus livros de uma maneira que já nem nos apetece ler mais nada


"Às vezes você fazia um pensamento e morava nele. Afastava-se. Construía uma casa assim. Longínqua. Dentro de si."

_Jeferson Tenório, O avesso da pele

terça-feira, 20 de julho de 2021

Vergílio

Dela quis sempre tudo. Ver todos os seus rostos, todos os seus medos, todas as suas audácias, aquele sentimento novo que se inventa de cada vez que se a volta do avesso como quem vira uma luva e que faz surgir em si territórios desconhecidos, para onde nos deixamos arrastar aterrorizados, voluntários e seguros de que estamos a aproximar-nos de uma luz que nos cega, mas que nos escombros do interior nos fala de amor, de identidade, de terra por desbravar. 

Tivesse tido eu tempo de a invadir e certamente encontraria por dentro o que amei por fora até à estupidez.

quarta-feira, 14 de julho de 2021

Tu nem sabes a sorte que tens


Poder olhar o mar. Poder olhar o céu. Com a tarde a acabar, poder assistir ao sol a dizer para a lua: vem. Desfrutar da noite quieta.Tu nem sabes a sorte que tens. Para muitos isto é tudo.

quinta-feira, 8 de julho de 2021

Summertime

Fim de tarde, um banco junto ao passeio marítimo, uma silhueta, um vestido florido com as cores do dia, o peito generosamente desnudado, as ancas amplas, a pele branca, o cabelo acobreado sobre os ombros arredondados, sandálias com plataforma de juta, ao pescoço um lenço de seda, ao lado a mala aberta, óculos, tabaco, isqueiro... e por cima um outro lenço, também fino e leve, amarelo torrado. Os cabelos revoltos pelo vento, o olhar atento, absorto, perscrutando o horizonte, o rosto marcado por uma branda e evasiva solidão, mas intenso como no passado, à espera de um sussurro, de um movimento de lábios ou de mãos ou de corpo ou... de ondas no mar ao fundo. Ou, mais ao fundo, Billie Holiday interpretando majestosamente a chegada do Verão.

quarta-feira, 7 de julho de 2021

Sessão da Meia-Noite


"Ladrões de bicicletas" - Vittorio de Sica, 1948

segunda-feira, 5 de julho de 2021

Apostasia

Toda a minha vida fui um ateu militante, mas perante estes tempos de espírito inquieto não tomarei a mal que rezem pela minh'alma.

Amém. 

sábado, 3 de julho de 2021

Afonso Cachucho*

Petrificado e sem o controlo dos seus olhos, deixou-se assistir à orgia que se iniciava no tapete cor toupeira decorado com pavões e dragões, cujos olhares insondáveis pareciam ganhar vida. Os bronzes de máscaras grotescas, os livros da biblioteca grande, todos os outros objectos iam por seu turno ganhando vida também, como num pesadelo, ao ritmo pontuado de suspiros e gemidos, do jogo inverosímil e alucinante a que se entregavam e misturavam na sua frente os dois corpos de pele macia. O seu espasmo foi o de um homem aparvalhado, fustigado, espicaçado, mortificado.

quarta-feira, 30 de junho de 2021

Sara Pinote *

Morena, olhar profundo, cabelo acobreado, pele fresca e mate, seios cheios, cintura miraculosa, tornozelos finos, uns sapatos de pele de antílope, de salto alto, por baixo do casaco comprido um vestido preto, fino, frio, de mangas curtas, e uma carteira a abarrotar de fantasias. Esbelta e rápida de movimentos, ansiosa por ver e por ser vista. Em momento algum dispensou a máscara. Não parecia destinada a um único amante. Também estava só.

terça-feira, 29 de junho de 2021

Rasgos da mente

Tenho uma amante imaginária. 
Preocupa-me que tenha começado a escrever-me.

terça-feira, 22 de junho de 2021

História universal da submissão

Despe-te! -- Ordenou um.
O outro tirou lentamente as suas roupas, depois a pele.