quarta-feira, 21 de março de 2018

Dia Mundial da Poesia

Bom era que os poetas pudessem navegar no infinitamente pequeno, entre os nanos, esses minúsculos buldozers à escala atómica que penetram nas artérias e nos vasos do cérebro, para efectuar uns trabalhos miúdos de limpeza e desobstrução, onde eles - os poetas - lhes dissessem. Único receio, pois serão orgânicos: que se reproduzissem até ao infinito e destruíssem os sonhos. Também imagino que talvez haja um gene da paixão alojado nos confins do genoma e que fosse o poeta o descobri-lo.... bom dia meu caro senhor, venho propor-lhe uma pequena engenhoca genética que irá enlouquece-lo de amor...
Por quem? 
Não tem importância. Louco de amor e basta!

"Como quem, vindo de países distantes fora de
si,chega finalmente aonde sempre esteve
e encontra tudo no seu lugar,
o passado no passado, o presente no presente,
assim chega o viajante à tardia idade
em que se confundem ele e o caminho."
                

(Se puderem fazer de mim um estado de alma, façam-me Manuel António Pina. Obrigado.)

terça-feira, 20 de março de 2018

Ostras

- Meu amor - murmurou o amante, desapertando-lhe lentamente várias filas de botões.
Ela não se voltou para receber os beijos dele, mas estremeceu com a sensação na sua pele. Raramente havia estado despida, mas agora estava a ser descascada como uma ostra rara e retorcia-se como se o fosse.

segunda-feira, 19 de março de 2018

Crepusculário

Hoje não te vou abraçar, também não te vou oferecer uma gravata (azul), tão pouco vou sorrir-te e dizer: "estás cada vez mais pai". Mas se tiveres tempo e paciência, posso ir ali à prateleiras dos velhos buscar o Crepusculário. Que dizes?

"...nada podem teus olhos doces, 
como nada puderam as estrelas 
que me abrasam os olhos e as faces. 

Escutarei de noite as tuas palavras: 
... menino, meu menino... 

E na noite imensa 
com as feridas de ambos seguirei..."
                                                                                     (Pablo Neruda)
                    

quinta-feira, 15 de março de 2018

Da noite em que eu dormi com a Sylvia Plath

Perturbado, incerto, inquiridor não cesso de respirar, de tirar proveito de uma presença fulgurante, de um corpo que se move a meu lado, como se ali estivesse o quotidiano de ambos, caminhar juntos nos bastidores das horas perdidas antes de nos enfiarmos nos de uma cidade, debaixo de uma campânula de vidro... debaixo de uma bátega.

quarta-feira, 14 de março de 2018

Gisele

Acariciam-se com o olhar, promessas de rapidez, onde fica a cama, lugar acolchoado onde vão desenrolar-se as intempéries? contando que ele seja meigo, bruto, outra vez meigo, que tome e dê, retarde e acelere, se cale, que humedeça, sem excesso, sem arrebatamento fingido, docemente, concentrado no contacto extremo, no molhado, sem pensar no depois, ali e agora. Quanto ao resto, Gisele saberá inventá-lo, à sua maneira.

Doutrina

Como em tudo na vida. Nada de arrependimentos, nada de más consciências: a recordação simples de um falhanço em que ninguém bebeu do essencial para o oferecer em dádiva ao outro. Alguns amplexos e basta. Os réus acolhendo a objurgatória.

terça-feira, 13 de março de 2018

Setenta e nove

A Bloga está a passar por uma crise de realidade. Os escribas são todos iguais, não descansam até o mundo que inventam substituir aquele em que vivem e que os desilude. É tão pueril! As palavras não são as coisas, e por mais que profiram as suas encantações, nenhum milagre se produzirá segundo os seus desejos. O mundo é rebelde e não tem lógica, não obedece a qualquer injunção das palavras, é um monstro e nós os seus lacaios. Não acham?

__ Não!?

sábado, 10 de março de 2018

Palomar


Como é que o homem se desarticula, interroga-se o Senhor Impontual, por que motivo um dia se perde quando julga ter chegado em segurança a fim de respirar um pouco de ar puro, olhando a paisagem e dizendo para com os seus botões: o mundo é belo, eu faço parte deste universo, mas sinto-me bem aqui? Como se pudesse abeirar-se de uma janela, voar e esquecer.

quinta-feira, 8 de março de 2018

Duas fotografias, uma efeméride

 @Robert Doisneau

@Josef Koudelka

terça-feira, 6 de março de 2018

segunda-feira, 5 de março de 2018

A hora mais negra

O mundo sofre de graves perturbações: chovem bombas na Síria - uma imagem altamente desconcertante, Trump, Putin, Kim Jong, ameaçam o mundo todos os dias, a Venezuela está um inferno, o Brasil chapinha na lama da corrupção, a Alemanha está numa encruzilhada politica, Berlusconi pode voltar na Itália. Os movimentos de alerta resumem-se a tirar camisolas, deixando o empowerment das mulheres em muito maus lençóis. O globo entretém-se em festas alegres e jazz.
Que outra civilização além da nossa sentiu tanto prazer em destruir-se, em fazer sofrer os corpos, em conspurcar as almas, em esfolar as peles?

quinta-feira, 1 de março de 2018

Baseado num poema de Eugénio de Andrade

Após a euforia das noites mal sonhadas, aterra suavemente em madrugadas baças. Fala e agita-se. Nenhuma respostas às suas aspirações. Sente-se inacabada, incompleta, amputada de desejos, de perfumes, de vontades. Querer, é a faculdade de nomear o que não é, moldar com sombras um rosto, perfumar o inodoro. Pratica o bem e isso não a torna feliz. Preocupa-se. No entanto, tem um desejo simples: dançar a sua vida com um homem.
Dançar...
Dançar no mundo com alguém. Viver dias vulgares dizendo para consigo, logo à noite o baile continua...