segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Óh Partigianos!

A civilização destes tempos, embora se refira constantemente a ideais de progresso, à razão e à liberdade, embora proclame que é iluminada pelo sublime objectivo de se libertar, sustentar e elevar-se ao seu expoente máximo, no fundo escraviza-se, engana-se, instiga-se e algema-se. Apesar do incrível desenvolvimento do pensamento, da evolução da ciência, do avanço da comunicação, da instrução e da melhoria das condições de vida, o homem parece não se sentir feliz nestas novas condições. Impede-o a alienação, o complexo de inferioridade, a frustração, a religião, o fanatismo e os banhos que toma de politica oca. Está embasbacado. É artificial. Profundamente inautêntico. Iludido, corre atrás do vento seja em Roma, em Kiev, em Moscovo, ou em qualquer outro lugar do universo. O Mundo está abafado. Precisa de uma purga. Rápido.

Oh partigianos!

quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Eixo do mal

Esta época não é propícia ao entendimento dos mais rudimentares valores da humanidade nem à vital aceitação das soberanias e das liberdades individuais. É uma época que manifesta repetidas vezes que, em certas ocasiões, um homem que ataca outro homem é um tirano, e, em outras, é um cruzado - embora nenhuma guerra seja santa ou cavalheiresca.

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Viúva

Sentada a observar o rio, os últimos raios do sol a tocarem no estuário e a estenderem-se docemente pelo grande canal de água até à foz; rabelos vogam, barbos pululam acima da linha de espuma deixada pela popa dos barcos, uma harmonia discreta e singela envolve a mulher solitária e grave. Talvez devesse tomar um destino novo e procurar - o quê? Enfraquecem-lhe os ímpetos e uma grande tristeza nasce-lhe no olhar quando, depois, se lhe sobrepõe a imagem dele, um homem que se matara a si mesmo continuando, no entanto, vivo. 

terça-feira, 13 de setembro de 2022

Sessão da Meia-Noite


"Une femme est une femme"  - Jean-Luc Godard, 1961

quarta-feira, 7 de setembro de 2022

O pássaro

Salto da cama e quando mal acabo de abrir os olhos e de levantar a persiana da janela, noto a azafama assídua e conhecida. Olho para a rua, que à força de tantas manhãs e de tantas vezes abrir a janela acabou por perder o seu brilho original.  Mas ali está o pássaro.
A letargia estupida do encerramento nocturno quebra-se momentaneamente com a perspectiva luminosa do milagre. O pássaro representa para mim a porta da poesia, a promessa da liberdade, o elogio do sonho, o escape, enfim, para tudo aquilo que o encerramento na noite me roubou.
Isto repete-se todas as manhãs. Acordo e, como se o acto de abandonar o sono, abrir as janelas, comunicasse com o pássaro por meio de uma antena invisível e o pássaro começa a voar automaticamente.
Durante algum tempo, não consegui parar de pensar que por trás de todo o homem há sempre um pássaro que salta e que voa. E de facto na zoologia social eu e o pássaro somos muito parecidos, temos um vinculo oculto, somos da raça dos que saem de manhã e voltam à noite.