segunda-feira, 30 de julho de 2018

Questiúncula

Mas... é só na politica que o Mal, a obra tenaz de Lucifer, consiste em fazer cair a sombra sobre homens e mulheres? numa imagem estável de si próprios, mas não necessariamente mortífera visto não estar cristalizada num eu definitivo que os impeça de ser outras figuras de si próprios, progredindo? Mas... e só na politica que, do pavor da cova dos falhados ao pavor encolhido, dilatado e novamente encolhido, adormecido mas não muito, à estratégia da esquiva, à retractilidade, à solução de reserva, ao coeficiente de segurança é um ápice? 

Sessão da Meia-Noite

Morte em Veneza - Luchino Visconti, 1971

 Ao ar livre, com a Teresa

quarta-feira, 25 de julho de 2018

Telegrama para a Grécia

Querido Kostas,
Saber-te desesperado com a ideia terrivel de que as cinzas que tombam dos céus sãos os restos mortais dos vossos entes queridas, é para nós uma reminiscência recente muito forte. Por isso, é na mais elementar das solidariedades que te dirijo estas parcas palavras de conforto: ajudem-se uns aos outros, não exasperem à procura de culpados. 
Daqui por um ano vão perceber que a culpa afinal é vossa, e só vossa.
Ajudem-se uns aos outros.

Um abraço. Sincero.

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Palomar

O Senhor Impontual, acompanhado do Senhor Palomar, aguarda ansiosamente a passagem do Senhor da Boliiinhas.


Logo, logo... nos debruçaremos sobre a observação das ondas e dos aspectos complexos que concorrem para a sua formação. A seu tempo obrigaremos os nossos pálidos olhares a percorrer a praia com imparcial objectividade, de modo a que, mal o peito nu de uma mulher entre no nosso campo visual, se note uma descontinuidade, um desvio, um mero sobressalto na paisagem em torno daquelas dunas aureoladas.

sexta-feira, 20 de julho de 2018

Herberto



Nem sempre me incendeiam o acordar do sol atrás dos montes e a lua despenhada nos confins dos mares.

- Todavia, tu sempre me incendeias.

Mas de certo sou eu, numa ardente confusão de água e terra.

segunda-feira, 16 de julho de 2018

Motel

Não digamos nada. Não vale a pena... mesmo na privacidade do nosso quarto, quando estivermos deitados, submergidos na luz listada, preta e branca, da meia-noite. É preciso muita imaginação para reconhecermos as mágoas das pessoas que consideramos felizes. As suas verdadeiras batalhas travam-se, como as das estrelas, num qualquer reino de luz, imperceptível para o olhar humano. Seria um feito demasiado da nossa inteligência adivinhar o que se passa no coração de outra pessoa.  Fodamo-nos. Apenas e só.

sábado, 14 de julho de 2018

Inadimplência

Miss Jayne Mansfield nas bancadas dos HotSpurs, anos 60

quinta-feira, 12 de julho de 2018

Palomar


De todo o movimento do Sol na esfera celeste, há um momento que o Senhor Impontual gosta de apreciar com particular delicadeza - que é aquele momento em que o Sol diz para a Lua: vem. 
O Senhor Impontual, por breves instantes, consegue colocar-se no lugar do Astro-Rei e saborear a delicia de saber-se compreendido, trespassado por um olhar inteligente que parece evitar-nos obstinadamente. Aquela observação recheada de subentendidos a dizer, sem impor, toda a sua verdade, sem que tenhamos que delinear quaisquer subtilezas. Eis o mais embriagador de todos os prazeres: ser adivinhado, observado escrupulosamente, reconstituído a partir de deduções e por fim reconhecido na sua sinuosa complexidade. 
O Senhor Impontual gosta de acreditar que um dia a Terra travará de súbito naquele preciso momento e por ali ficará, estática, durante um instante mais alongado.

terça-feira, 10 de julho de 2018

Agapanthus


As pessoas insistem continuamente em exigirem-nos a tarefa, hercúlea, da  consciência absoluta de tudo o que se passa com o mundo à nossa volta, esquecendo que isso seria o mesmo que ouvir o sol nascer, o coração dos pássaros bater, a sombra das flores crescer. E que isso nem sempre é possível.

sábado, 7 de julho de 2018

Sessão da Meia-Noite


Uma Mulher Sob Influência - John Cassavetes, 1974

(Com a flor)

terça-feira, 3 de julho de 2018

Palomar

O Senhor Impontual, um indefectível do mundo em movimento, de há uns tempos a esta parte quando abre o feed do blogger não pode deixar de se questionar sobre o que é feito daquela blogosfera que engordava, fazia regimes, deixava crescer a barba, apanhava aviões para todo o lado, comprava bugigangas que lhe enchia a casa, lia livros que lhe enchia o ego, escrevia histórias que lhe enchia a vida. Que a cada episódio, o critico, salientava a violência das imagens imiscuídas nas palavras, das relações homens-mulheres, da sua misoginia, da sua misantropia. Aquela blogosfera que mostrava o cão. Aquela blogosfera em que o sangue jorrava, os golpes ferviam, a traição vencia as melhores amizades, a carnificina parecia inevitável, os corpos explodiam em mil pedaços, o mundo sofria um abalo a cada publicação. Que é feito?

Não achando resposta tão imediata como gostaria o Senhor Impontual decide que, doravante, fará como se estivesse sozinho na blogolãndia, para ver como roda o universo apenas puxado por si. O Senhor Impontual ainda acredita que entre ele e o mundo as coisas continuam a ser como são e por isso ainda esperam algo um do outro. Que a vida continuará um campo de observação infinito onde os pormenores recolhidos permitem continuar a viagem dentro de si próprio, esclarecendo horas e infelicidades, mais eficazmente que um qualquer doutor de almas sobre os seus distúrbios.


O Senhor Impontual já acolhe dentro de si uma certa sensação de acalmia. Mas é exactamente a expectativa de saborear esta calma que o torna ansioso.