sexta-feira, 22 de maio de 2020

Ferreira de Castro

Abordou-me com fingido desprendimento e muito para além da distância de segurança. Quis falar-me da sua nova companheira, evocou tempos não muito idos, encontros passageiros, que haviam rido muito com as tolices, as maliciosas alusões, as ternas lembranças. Falou com convicção, detendo-se nos pormenores, na explicação dos diálogos, sublinhando as frases com gestos e entoações. Andou de um lado para o outro, como um sonâmbulo subitamente acordado que manifesta grande surpresa e, ao mesmo tempo, uma espécie de excitante encantamento. A mulher que procurava retratar-me não era desejadamente saída de um qualquer milagre ou de qualquer fábula. Alta e morena, branca e submissa, ou loira e de cabeça erguida, fosse como fosse que a contava, a imaginava, a inventava, disse-a sempre cândida e doce, clara e segura, como se anunciasse a substância da própria felicidade. 
Há muito tempo que não via Ferreira de Castro. Ferreira de Castro não tem afinidade nenhuma com o cão, nem jeito para o passear, mas é uma tarefa sua. Foi um prazer.

1 comentário:

  1. Para conhecer o mundo viajamos,
    tocamos pedra a pedra a calçada
    e para nos conhecermos, onde vamos,
    qual é o rio, o mar, a estrada?



    Boa noite, Impontual.

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