quinta-feira, 28 de maio de 2020

Maio maduro Maio

Ergueu-se da cadeira de baloiço que já pertencera à sua avó, tirou água da torneira para o reservatório da máquina de café e fez-lhe um expresso espesso e aromático. Só ele bebeu; ela, não: tira-lhe o sono. Sentem conforto em terem-se um ao outro. Mas nada recordam em voz alta. Tudo o que foram é uma sombra. E esse conforto interiormente experimentado fá-los pressentir que, se algo for dito, tudo será considerado incómodo, e logo os vivos sentimentos de sossego e de paz se alterariam. Eles próprios vagamente percebem que são escombros de uma época naufragada, sem pertencerem, embora, a uma raça particular de pessoas. Nada de sumptuoso ou de magnifico há a recordar. Tudo o que se lhes refere é mediano, dissimulado e convencional. Apenas se tinham ajudado a construir uma teia de estradas que, a seu tempo foram elas também alteradas, substituidas por outras ou submersas pela força insubmissa de inesperados cataclismos. Durante os longos periodos de silêncio foram-se dando conta de que as pessoas, mesmo quando vivem em comum, estão muito mais separadas do que relacionadas entre si.

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