Um fim de tarde de um tédio absolutamente inconcebível, longe de tudo, incluindo de si mesma, a costureira triste lança as agulhas finas e afiadas num vai e vem enrolado, repetido e certeiro sobre o chifon dourado que há-de ser uma saia de godê simples, uma e outra vez.
Por estes dias, tudo em seu redor se encontra tão imóvel e silencioso que a enrola e adormece. O som da bernina é uma estranha canção de embalar, uma cadência tão melodiosa e tão profunda que parece saída das profundezas do mar. Apenas ouve o coração no exercício da sua única tarefa: bombear o sangue. Parece que a vontade ainda não venceu o frio. E que pode fazer se nada a chama? Se as coisas, alegadamente agradáveis, se atenuam como uma vela que vai ficando sem oxigénio. Uma chama que se inclina diante de uma sombra tridimensional composta por pouco de nada. Essa pequena chama restante, é a vaga sensação que ainda a vai fazendo crer na inevitabilidade do regresso, do reencontro. Mas, por quanto tempo?