sábado, 10 de março de 2018

Palomar


Como é que o homem se desarticula, interroga-se o Senhor Impontual, por que motivo um dia se perde quando julga ter chegado em segurança a fim de respirar um pouco de ar puro, olhando a paisagem e dizendo para com os seus botões: o mundo é belo, eu faço parte deste universo, mas sinto-me bem aqui? Como se pudesse abeirar-se de uma janela, voar e esquecer.

quinta-feira, 8 de março de 2018

Duas fotografias, uma efeméride

 @Robert Doisneau

@Josef Koudelka

terça-feira, 6 de março de 2018

segunda-feira, 5 de março de 2018

A hora mais negra

O mundo sofre de graves perturbações: chovem bombas na Síria - uma imagem altamente desconcertante, Trump, Putin, Kim Jong, ameaçam o mundo todos os dias, a Venezuela está um inferno, o Brasil chapinha na lama da corrupção, a Alemanha está numa encruzilhada politica, Berlusconi pode voltar na Itália. Os movimentos de alerta resumem-se a tirar camisolas, deixando o empowerment das mulheres em muito maus lençóis. O globo entretém-se em festas alegres e jazz.
Que outra civilização além da nossa sentiu tanto prazer em destruir-se, em fazer sofrer os corpos, em conspurcar as almas, em esfolar as peles?

quinta-feira, 1 de março de 2018

Baseado num poema de Eugénio de Andrade

Após a euforia das noites mal sonhadas, aterra suavemente em madrugadas baças. Fala e agita-se. Nenhuma respostas às suas aspirações. Sente-se inacabada, incompleta, amputada de desejos, de perfumes, de vontades. Querer, é a faculdade de nomear o que não é, moldar com sombras um rosto, perfumar o inodoro. Pratica o bem e isso não a torna feliz. Preocupa-se. No entanto, tem um desejo simples: dançar a sua vida com um homem.
Dançar...
Dançar no mundo com alguém. Viver dias vulgares dizendo para consigo, logo à noite o baile continua...

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2018

Conclamação

O verdadeiro triunfo da indiferença podia ser outra coisa qualquer. Como o gosto de manejar a condescendência e a delicadeza. Mas não. Cada coisa a seu tempo. Em primeira analise são as palavras vindas de nenhures que se tem vontade de imprimir, vindas de onde não podiam ser ditas e, sobretudo, (con)clamadas.

Acontece muito em dias de frio e chuva.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Sabem aquelas pessoas ?

Que porque se dão mal com ausências injustificadas, com a falta de respostas, com silêncios enlouquecedores, com desaparecimentos. Nunca o mereceram, são naturalmente transparentes e se andam sufocadas para dizer, havia sempre uma forma de o saber - olhando-as nos olhos, e bastaria isso para que pudessem dizer tudo. E tinha de ter sido dessa maneira. Não sendo, e esperando que o dano seja o menor possível, apresentam automaticamente a sua demissão de uma história que nunca o foi. Sabem?
Por vezes gosto de gente assim, outras não dá jeito nenhum.

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Luz

Separamo-nos à primeira claridade da manhã, debaixo da dúbia luz dos dias que nascem depois das chuvas. Já é uma luz que se distingue, mas ainda sem ostensivo orgulho. Há muitos pintores da noite para além de Rembrandt. Mas há poucos pintores da aurora, porque a aurora é luz glauca, é a hora da essência, a vereda dos passadios. O único que sobressai neste aspecto é  Caravaggio e poucos mais. Gosto muito de ti. Sê prudente.

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

Ainda sobre as idades

Agarrou-lhe na mão, puxou-o para dentro e fechou lentamente a porta atrás deles. A névoa ficou do lado de fora. Os deuses haviam preparado a candeia do pecado: a um canto tremeluzia a luz minúscula do candelabro azul sobre a cama. Ela já não era a mesma, adquirira novos truques de elevar o prazer, praticava-os com todo um outro tacto e com uma outra paixão, as pernas longilíneas e ainda muito sedosas, levantadas para o céu, cadenciavam o triunfo de um amadurecimento irreversível. Tudo na perfeição: a mente, as emoções, o corpo, a cegueira do instante revisitando um tempo lá mais atrás, a pulsação surda, a frenética simultaneidade. A explosão do pus dos adiamentos acumulados. O tempo compulsivo, a época das idades menos amadurecidas, explanados numa tarde de sol brando.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Geração sem idade


As pessoas da geração sem idade estão desanimadas com o futuro, porque estão cada vez mais conscientes de que, como espécie, perseguem um sonho inspirador que as levou à ruína. Disseram a si próprias que o mundo estava ali para ser conquistado por elas, pelo que quanto melhor parecessem e o mostrassem publicamente, quanto melhor seria o seu controlo, maior seria a sua vantagem, melhor o seu mundo seria. A base filosófica desta geração, apoiada na crença que o mundo estava aqui para ser controlado por quem dominasse o outro, parecendo bem, é uma crença equivocada. Esse optimismo rapidamente passou a ser a fogueira em que se têm queimado. Uma espécie de auto-aniquilação progressiva que, a cada flash, lhes mostra um mundo mais azedo, mais caótico, profundamente confuso.

Por exemplo, se isto fosse o Facebook ou o Instagram, eu precisava de pensar muito bem sobre que mensagem pretendia transmitir como alternativa ao mito do domínio e do parecer bem que deformou ideologicamente esta geração sem idade. Felizmente isto é um blog. E a melhor coisa de um blog é que não precisa sequer de fazer sentido. Por isso fico com o meu cérebro descansado a fotografar a música que oiço, os livros que leio, o cão que se passeia no areal. O que, diga-se em abono da verdade, também não faz de mim um rapaz sem idade.
Busca, Fiodor, busca...

sábado, 17 de fevereiro de 2018

Plebiscito

Nunca um ditador deu ao seu povo a escolher se queria ser livre ou continuar a ser oprimido. Nunca uma ditadura na história da humanidade se submeteu a sufrágio para passar a democracia ou manter-se ditadura.
Os estultos são fáceis de manipular. Não discutem projectos, desígnios ou intenções. Cultivam em si o sentido da aclamação. Por isso não têm o impulso de começar uma guerra, por exemplo. Mas continuam a ter prazer em ser cruéis.
Aquilo parecia um congresso de uma igreja qualquer de um qualquer reino de deus.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Neve

Regressados, contam-me sobre castelos e dragões esculpidos a partir dos montes de macia neve dinamarquesa, de como eles e outras gentes importantes percorreram, deslizando em tábuas de madeira de fino recorte, toda a distância até à Prússia, mas vê-se claramente que não estão preparados para que a neve apagasse o mundo inteiro (que não houvesse céu, não houvesse cidades) e o deixasse como uma página quebradiça e em branco.
Friorentos.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Quarta-feira de cinzas

É provável que todos venhamos a odiar aquilo em que nos transformamos. Ninguém é o único. Já vimos mulheres olharem para si mesmas em espelhos de restaurantes, quando os seus consortes não estavam presentes, mulheres sob o seus próprios feitiços, enquanto observavam alguém que não reconheciam. Já vimos homens retornados de outras vidas olharem furtivamente para si próprios em vitrinas de lojas, enquanto tacteavam o crânio sob a pele. Uns e outros pensaram que se livrariam do pior da juventude e que conquistariam o melhor da idade, mas o tempo acumulou-se neles, enterrando as suas esperanças antigas sob a areia. A vida relembrada na medula e não na mente. A tua e a minha história podem até ser muito diferentes, mas acabam por ir dar ao mesmo. 

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

Da leitura de Al Berto, em contraponto

@Graciela Iturbide

Primeiro é aproveitar o silêncio, pois é aí que melhor se consegue espantar a morte (lenta, digo eu), depois é caminhar como sempre caminhamos, dentro de nós - rasgando paisagens, lavrando mares, deglutindo todas as imagens, distraindo o medo na fímbria da noite, afugentando todos os pássaros do crepúsculo. Assobiando.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Quereis não uma mas duas sugestões de leitura?


Mas se antes quiserdes vestir um desses farrapos de tule com uns penduricalhos de brilhantes falsos em cima, a deixar entrever as carnes brancas e mal passadas e, enregelados, ir dançar o samba num desses cortejos carnavalescos onde com uma folia abnegada aclamareis o vosso amigo Charlie Brown, estais à vontade.

Ah, e estou a ouvir ora Lou Reed ora Fausto Bordalo Dias. Não sei se gostais?

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Quem dera que o amor fosse como o sexo

O amor não devia atender a nada mais do que o amor. Como acontece no sexo.
Caso não lhe seja conspurcado pelas condições do homem civilizado, o prazer físico entre um homem e uma mulher pode atingir o êxtase. O sexo tem esse poder; o de superar a confusão com os limites nas relações pessoais. Já os que se atrevem a molhar os pés apenas no rio que traz as águas do amor perdem algo de fundamental. As suas associações vão-se tornando meros negócios, investimentos especulativos neste e naquele particular, não é de surpreender que tais ligações se afundem no ciúme.
A partir do momento em que amor é moeda de troca transforma-se num instrumento de repressão e controlo. Promessas de felicidade, fidelidade e sacrifício e que parecem sagradas, não passam de egoístas demonstrações de posse, fraudulentas, despidas de pureza - como a sexual -, enganadoras a nível individual e social. A prova é visível: todos os pares por mais felizes que seja no começo, acabam mais tarde ou mais cedo por odiarem tudo isso e por se atormentarem.
Tende juízo senhores de sotainaQuem dera que o amor fosse como o sexo.

terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

L'esprit de l'escalier

Que estranho sentimento esse o de ser sportinguista. Não?

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Ciência viva

Já vão aparecendo uns biólogos, uns químicos, uns físicos capazes de imaginar, inventar medicamentos, ínfimos objectos que vão dentro dos corpos limpar as artérias, ups! acabou-se o colesterol, disparar misseis sobre vírus, ou até mesmo escarafunchar nos neurónios para mudar as conexões e limpar o canal dos instintos interditos.
Não aparece é ninguém capaz de criar uma injecção que ponha termo à insipidez da carne, à distorção do carácter, que apazigúe os corpos e torne as almas mais ligeiras. Que acabe com as feridas da língua, a língua inválida, a alienada e a insone. Que ponha termo a esta inata catarse aristotélica da simulação, da dissimulação, do fingimento, da teatralidade do jogo retardado da imitação e do renascimento, da mascara e do mascarado, do falso e do falsificado. Que ponha fim e esta patologia mal-cheirosa, a estas células cancerosas que matam a cada dia que passa o organismo social.

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Rubescência


Estou aqui sentado, num encantador dia de final de Janeiro. Tudo à minha volta se encontra em permanente mudança; o sol alterna entre projectar sombras profundas por trás das árvores e em varre-las de novo para o mesmo lugar, no momento em que uma pequena nuvem atravessa o céu. A água do mar enche-se de ouro, depois transforma-se em nada. Toda a área está pintada pelo sol, e manchada, cintilando e atingindo um ponto de uma enorme beleza, e eu estou aqui sem fôlego, por me encontrar entre a audiência. Mais ninguém repara. Lá no alto, um avião aturde-me com o seu bramido e uma linha de pó de giz, imediatamente avermelhada pela luz de poente, faz-me lembrar um ser fascinante de cabelo cor de fogo. Mas este já não é o mesmo céu de outros tempos.

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Apanágio

Tenho o máximo respeito e admiração pelo Mário Centeno. Eu também já fui Ministro das Finanças da minha casa e sei o quão difícil aquilo é.