Diz-me, sem hesitar, que o casamento é a forma mais difícil de se viver com outra pessoa. Faz desaparecer os enigmas da relação, junta aquilo que talvez nunca devesse juntar, compartilha coisas que não deveriam ser compartilhadas, vai emudecendo subtilmente os cônjuges porque as palavras vão perdendo o seu antigo brilho, o que anteriormente parecia uma ideia original acaba por parecer uma ideia mil vezes repetida, mais que sabida, velha, com o passar dos anos as pessoas começam a não se ver e já não se aborrecem, mas também não provocam fúrias entre si, nem paixões, nem há motivos para reconciliações. Já não há despedidas do lado de fora da porta, nem partidas de madrugada, nem beijos furtivos nas escadas. Deixa de haver ruas por onde se deambula à noite, a sonhar. Do casamento em diante os beijos tornam-se cada vez mais conhecidos e menos húmidos e aquilo que vem depois da noite é mais do mesmo do dia de ontem, acaba o amor louco, romântico, mágico e começa a rotina do papel higiénico e do pagamento das contas e faz-se sexo a pensar no que se há-de comprar para o almoço do dia seguinte porque o marido tem o colesterol alto e não come isto e aquilo...
Senti uma espécie de pânico. Borges é que tinha tinha razão. "O casamento é um destino demasiado pobre para uma mulher".
Senti uma espécie de pânico. Borges é que tinha tinha razão. "O casamento é um destino demasiado pobre para uma mulher".