Tudo nele é cinzento: o fato, a armação dos óculos, os olhos, os cabelos, a gravata, os sapatos. Por mais que me esforce não lhe noto o mínimo vestígio de uma outra cor qualquer. Fala e eu escuto. Nunca faz uma pausa de controlo para perceber se aquilo que está a dizer me apaixona de algum modo; está habituado a ser escutado. Não anda, pavoneia-se, não se senta, sobe ao trono, não telefona, a sua secretária marca os números por ele.
Demora-se entre duas garfadas de comida requintada que saboreia com o ar contido do conhecedor exigente que reflecte sempre antes de se abandonar ao prazer das coisas. Deixa cair palavras, pomposo e lento. Sujeito, verbo, complemento directo, e uma série de subordinadas eloquentes. Ignora-me e continua a pontificar, limpando a comissura dos cantos dos lábios com o guardanapo de pano branco que, em seguida, coloca sobre a barriga arredondada. Estende o copo e faz o vinho rolar devagar na boca e atira: "aceita pegar no projecto nestas condições?"
Lancei-lhe um multicolorido "tenho de pensar". Certo de que hoje ele não ia aguentar o rotundo "não", cinzento como chumbo, que tenho para lhe deixar amanhã à mesma hora sobre a mesma mesa de pé de galo estilo inglês. Espero que não se coma pior.