Beberam em silêncio, observando-se um ao outro como dois desconhecidos que marcaram um encontro sem se conhecerem e nada têm a dizer um ao outro senão matar o tempo necessário antes de começarem a devorar-se. Foi ela quem pagou a conta e disse-lhe sem palavras, movendo a cabeça: - vamos? Na rua seguiram por um passeio muito estreito. Levou-o pela mão, ela adiante, ele atrás como que arrastado, até encontrar uma varanda com gerânios, de onde pendia o nome da pensão. Ele sentiu que a sua mão continuava a ser de aço e essa sensação atacava-lhe a vontade. Entraram por um portal velho e sujo e foram vencendo todos os obstáculos que se interpunham à sua passagem: uma escada ensebada com degraus de madeira ruvinhosa até ao terceiro piso. Uma porta verde bosque repintada, uma campainha que soou estridente na recepção, uma velha que abriu o postigo, um gato que miou de forma sinistra ao ver o par debaixo da lâmpada do patamar, a velha que os obrigou a limpar as solas dos sapatos no tapete, um corredor longo com odor a repolho cozido em lume brando, a retrete ao fundo, um quarto à direita com o número nove sobre o lintel, um candelabro azul indigo sobre a mesinha de cabeceira, uma varanda com gerânios pendente sobre a azafama da rua, uma cama grande com a cabeceira de barras de ferro muito próprias para atar o amante que goste disso, um espelho no guarda-roupa que reflectia dois corpos nus tal como eram agora. Ele visivelmente mais magro, ela continua a ser uma mulher formosa de quarenta e cinco anos com a cintura levemente arredondada depois de dois partos, um deles de cesariana, e o tempo deixou-lhe certas marcas na comissura dos lábios e em volta dos olhos, que conferem à sua beleza um esplendor já amadurecido. Perdeu aquela magreza que a fazia parecer bastante mais frágil. Agora parece uma fêmea madura e segura de si, com muito poder na carne. Imperial.