Devo ter lido demasiado cedo alguns dos "monstros" russos, como o meu pai - o mentor da empreitada - lhes chamava. Talvez naquela altura, tendo como base uma quase inexistente experiência em qualquer dos sectores da vida, não tenham exercido sobre mim o fascínio real que aquela riqueza de vocabulário utilizada a cada variação do desejo, da paixão, da frustração, da raiva, da mágoa ou da alegria é capaz de provocar. Cada carta, cada bilhete são exemplares obras de arte. Cada conversa um reflexo puro das consciências. Um jogo fascinante e subtil com a ordem e a desordem das palavras utilizadas. Os ritmos, os prefixos e os sufixos que vão transformando e sustentando sentimentos simples em grandiosidades imensuráveis. A mestria e a minúcia da linguagem que parece, em cada andamento, retirar-nos qualquer suspeita de que na realidade não fosse assim que duas pessoas reais falassem e escrevessem uma à outra. Pobre gente. Pobre de mim. Tanto pó na estante!
(embalado por um post da Uva Passa que, além de muito propositado, teve o condão de me deixar bastante descansado. Pois em matéria de leitura sempre achei que era um atrasado, um fora de tempo, um perdido dos tempos modernos, um abandonado ao fascínio real da velha literatura, da qual, tenho de confessar, não me consigo desprender e aos quais acabo sempre por voltar porque há sempre uma obra que me falhou no tempo exacto. Quem diz os russos, diz o franceses, os ingleses... pese embora uma ou outra incursão pelas Ferrantes desta vida.)